Antonio Delfim Netto (*)
Talvez o ato mais grave e de mais longa conseqüência no campo institucional nos anos recentes foi a eliminação dos direitos dos minoritários nas Sociedades Anônimas, feita às pressas e impensadamente para acelerar as privatizações. Os acionistas minoritários foram amputados dos seus direitos “para estimular a venda das empresas públicas” nacionais, até para empresas públicas estrangeiras! A privatização era absolutamente necessária porque o Governo tinha perdido toda a capacidade de investimento e, em alguns casos, a administração pública tornara-se extremamente ineficiente e corrompida. A privatização, portanto, não foi uma medida de ordem econômica, mas de higiene pública.
Não há objeção à privatização. Mas porque destruir as relações de direito dos acionistas minoritários em todo o setor produtivo privado nacional? É preciso lembrar que nas estatais muitos deles foram “investidores forçados” que contribuíram para a capitalização das empresas pagando um adicional sobre o preço dos serviços que recebiam. Mesmo neste caso, a capitalização pelo aumento de tarifas tem um fundamento eticamente duvidoso, mas que pelo menos deixava como resíduo um direito (ações ou debêntures) eventualmente recuperável. Condenável eticamente foi a capitalização de empresas privadas (que compraram a empresa pública e o seu monopólio) através do aumento das tarifas e com crédito público. A situação até hoje é incerta, porque o governo não se conforma com a sua regulação através de agências independentes.
O mesmo se pode dizer da enorme insegurança jurídica do setor financeiro (que começou antes deste Governo) que não tem como executar as garantias dos seus empréstimos com relativa rapidez. É isto que explica boa parte da enorme redução da relação Dívida do setor privado/Produto nacional bruto, que caiu de 60% para 30% nos últimos anos, espaço ocupado pelo endividamento estatal. É isso que explica, também, em parte, os gigantescos “spreads” dos empréstimos na maioria dos setores. A contra prova são os menores “spreads” onde a garantia é quase instantaneamente executável.
O uso excessivo e a volatilidade das Medidas Provisórias negam toda a “filosofia” inicial que deu sucesso ao Governo: a transparência e a estabilidade da regra jurídica. Mas há outras complicações que aumentam ainda mais a insegurança jurídica fundamental para o funcionamento do mercado. Infelizmente o governo Lula aumentou ainda mais o uso de Medidas Provisórias, o que certamente não contribuiu para melhorar a situação.
Como é possível o funcionamento de um sistema capitalista, isto é, de uma economia de mercado, sem que as empresas tenham acesso ao crédito do setor bancário ou à possibilidade de usar o mercado de capitais? E como é possível tê-los sem segurança jurídica?
(*) E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br