Antonio Delfim Netto
Mesmo se quisesse, o Brasil não poderia aumentar o nível do seu endividamento; e, mesmo querendo, não consegue mais aumentar os impostos.
Se não pode mais endividar o país e se a carga tributária ultrapassou os limites do tolerável, o governo Lula tem que se convencer que não há outra saída a não ser analisar bem a estrutura da despesa estatal, preparar-se para cortar gastos e voltar a ordená-la de acordo com a prioridade nacional do desenvolvimento. Uma análise cuidadosa mostrará que existem despesas absurdas e desperdícios gigantescos que se concentram nos setores mais privilegiados da administração pública onde as verbas são garantidas e o acompanhamento de seu uso geralmente negligenciado. É preciso fazer uma avaliação acurada dos resultados nos setores que se beneficiam do sistema de recursos vinculados. Há sérias dúvidas se há ganhos de produtividade pelo fato de se ter a garantia do aporte de recursos no orçamento. Creio que os estímulos acontecem na direção contrária. A vinculação, na verdade, acaba se revelando a avó da vagabundagem, tolerante diante das falhas e pouco exigente com os procedimentos.
Não é de hoje que as sociedades organizadas aprenderam que governo ruim é aquele que aumenta impostos e toma dinheiro emprestado para cobrir gastos correntes, deixando a dívida para o sucessor cobrar de seu povo. O governo que antecedeu o atual fez exatamente isso. Elevou a dívida que era de 30% para 56% do PIB. E pegou uma carga tributária de 27% e deixou-a em 38% do PIB. Em matéria de crescimento quase nada ofereceu: abandonou os investimentos em energia e deixou as estradas sem conservação.
O governo Lula pode se distanciar fundamentalmente do governo anterior enfrentando, com um choque de gestão, o desperdício dos gastos públicos, sem medo de aumentar o superávit primário para atingir lá na frente o objetivo do déficit zero. Ao contrário do que pensam alguns companheiros do PT, o enxugamento das despesas de custeio vai permitir ampliar (e não reduzir) os investimentos em estradas, na energia e nos programas sociais. Hoje, eliminar os gargalos na infra-estrutura passou a ser condição essencial para a retomada do crescimento. Somente para recuperar a malha rodoviária, o Brasil precisa investir 12 bilhões de reais por ano nos próximos cinco anos.
Tendo afastado a ameaça do constrangimento externo, o governo Lula tem agora a oportunidade de mostrar que a redução da despesa de custeio do serviço público e a certeza do declínio monotônico da relação Dívida Líquida/PIB (antecipando a queda dos juros), produzirão os estímulos necessários à retomada dos investimentos privados e a própria recuperação da capacidade de investimento do setor público.
(*) E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br