João Baptista Galhardo
Diz conhecida fábula de Bocage que um dia o Mestre Corvo pousava tranquilamente numa árvore, tendo no bico um apetitoso queijo com que ia se banquetear. Atraída pelo cheiro, chega a Raposa matreira e ao Corvo assim falou:
– Muito bom dia, meu querido amigo senhor Corvo! Como você é belo e gentil! Que lindas penas revestem o seu corpo. Se a sua voz for tão bela quanto suas plumas, você é, sem dúvida, a fênix destes bosques.
Lisonjeado e entupido de vaidade, o Corvo, com o elogio, não cabia em si de satisfação. E querendo ali mesmo exibir-se como perfeito virtuoso, dono de um gorjeio melodioso, escancara o bico largando o delicioso queijo que a Raposa agarra alegremente, dizendo:
– Meu caro senhor, aprenda comigo. Todo lisonjeiro, elogiador sagaz e esperto, desfruta os favores de quem ele adula e convence. Essa lição que lhe dei vale um queijo.
O Corvo, confuso e envergonhado jura, um pouco tarde, que em outra não cairá.
Toda lisonja visa sempre (ou quase sempre) um objetivo em benefício do próprio adulador, ridicularizando o bajulado.
É sempre assim. Difícil para o vaidoso lidar com o elogio. E da mesma forma para qualquer um reagir às ofensas recebidas.
A ofensa não deve ser causa de perturbação do ofendido. Mesmo quando fundadas em mentiras e praticadas por caluniadores ou invejosos.
Quem feriu você já feriu. Passou. Lá na frente encontrará o inevitável retorno e pelas mãos de outros será ferido também. A vida se encarregará de dar-lhe o troco e você talvez nem fique sabendo.
Guardar mágoa? Rancor? Ressentimento? Ódio?
Embora impossível esquecer quem lhe feriu, não devem ser guardados e alimentados esses sentimentos, escolhidos por cada um diante de agressões e de ofensas.
Quem provoca o mal a alguém é responsável pelo que faz, mas somos responsáveis pelo que sentimos.
A mágoa, de todas as drogas, é a mais cancerígena. Pela própria saúde, jogue-a fora.
Rancor é um veneno oculto ingerido no dia a dia. De repente se contrai doenças de origens desconhecidas, mas por ele provocadas.
Ressentimento é como viver em ambiente poluído, enfumaçado, repleto de vírus e bactérias corroendo o pulmão e enfraquecendo o coração do ressentido. O ódio tem efeitos paralisantes do sistema imunológico. Pode levar quem odeia à morte.
Todo mundo vive à procura de um caminho novo, sem perceber que o problema está na forma de caminhar. O modo de encarar a vida.
Cada um é o seu próprio comandante.
Uma família foi se aconselhar com Nasrudin porque um dos filhos andava doente e perturbado.
– O que ele tem?
– Se ele recebe elogio, a euforia o aniquila. Se recebe uma ofensa, fica arrasado, não suporta o golpe e com vergonha se esconde de todos.
Disse Nasrudin:
– Eu tenho remédio e vou curá-lo.
Aconselhou o Mestre ao doente:
– Vá ao cemitério. Suba no túmulo mais alto. Dirija os maiores elogios aos mortos ali sepultados: "inteligentes, cultos, belos, gentis, sábios, ricos, poderosos".
E assim foi feito.
– Você fez o que lhe mandei?
– Fiz.
– E o que os mortos responderam?
– Nada.
– Volte lá e agora ofenda todos com palavras injuriosas, difamadoras, caluniosas, homens sem virtude, sem moral… e todos os palavrões que tiver vontade de dizer.
Voltou.
– Fez?
– Fiz.
– E o que os mortos responderam?
– Silêncio absoluto…
– Que sirva de lição. Quando você for elogiado, agradeça, mas não se exalte. Se lhe ofenderem… não ligue. Os que lhe ofendem hoje vão elogiar amanhã.
Os que elogiam hoje não perderão boa oportunidade de lhe ofender no futuro.
Nas duas ocasiões finja-se de morto.
Tudo passa. Não leve a vida tão a sério. Afinal ninguém sai vivo dela.