Ernesto Lia: um artista de fé

Em duas telas, no JA, o toque artístico do pintor que é respeitado internacionalmente. Ele é de Araraquara, uma cidade que lhe quer bem. O destaque foi sugerido pela escritora Sarah Coelho.

JA- Como você define um artista plástico?

E.L.- O artista plástico, no meu entender, deve ter criatividade e sensibilidade; deve também dominar conhecimentos fundamentais sobre arte, possuir características próprias que o distinguam de outros autores, ser insatisfeito por natureza, atingir a originalidade e atender a necessidade de satisfazer as profundas exigências da expressão artística.

O que você poderia dizer sobre o academicismo?

O academicismo é uma concepção de arte; um método de ensino, em especial. Surgiu nos fins do século XVI como decorrência natural do maneirismo que até hoje é adotado nas escolas oficiais de ensino artístico do mundo todo, como conhecimento obrigatório na formação do artista.

Um bom pintor precisa ser um bom desenhista?

É evidente que sim. Embora o desenho não represente tudo, sua falta provoca lacunas na formação da carreira artística. Uma série de atributos e de conhecimentos, insubstituíveis, são necessários à sua completa formação.

E para quem tem dificuldade em desenho?

Todas as pessoas podem aprender desenho através de treinamento. Isto, porém não é suficiente para que o artista se forme.

O que poderia dizer da arte infantil?

De modo geral, as crianças não têm conhecimento de proporção, o que provoca uma forma antiestética de expressão quando comparadas com as formas proporcionadas. As regras da perspectiva, para ilusão visual do espaço físico são desconhecidas para as baixas faixas etárias. Visto sob a forma de arte espontânea, porém, mesmo que fira nossa sensibilidade artística, sua criação é fator de grande emoção por vir de crianças. Já os pintores românticos, por sua vez, foram deformadores das imagens da realidade, mas isso seria um outro assunto que implicaria em uma longa discussão sobre estilos e suas características.

Como você trabalha as cores?

Durante muito tempo trabalhei com a teoria das cores, considerada um conhecimento indispensável para a manifestação artística. No início fiquei matematicamente impregnado por aquelas teorias. Com o tempo consegui alcançar o equilíbrio, com naturalidade, sem fórmulas matemáticas e as tradicionais misturas. A importância é saber relacioná-las com a expressividade. As cores não valem pela sua vivacidade, nem quantidade, mas, pelas relações entre si, que podem ser de harmonia ou de contraste, dependendo da sensação transmitida pelo autor.

Qual o seu ponto de vista entre as qualidades de um bom pintor (retratista) e uma pessoa inteligente?

Em todos os setores da atividade humana, a inteligência somada a um dom, qualquer que seja ele, produz sucesso no campo do trabalho escolhido.

O retrato para você é fácil?

Não, não é fácil; são raros os bem pintados e os que se destacam. É um dos gêneros da pintura, que além da vocação exige um estudo contínuo, para o seu aprimoramento.

Como os retratos são avaliados?

É preciso analisar, compreender e avaliar os sentimentos que nos transmitem.

O que você mais aprecia em uma obra de arte?

O que mais me toca é sentir quando a obra encerra um ardor; uma força voltada à vida; um turbilhão de emoções, provenientes do âmago do artista e as marcas indeléveis da criatividade. Quando estas condições se juntam, o autor é elevado a um plano superior de força e de beleza.

Qual a fase que mais marcou sua vida na pintura?

As fases foram muitas; em meu arquivo de críticas tenho trabalhos assinados por autores renomados. Um exemplo muito gratificante foi o comentário de Luiz Martins do jornal “O Estado de São Paulo” que por três vezes escreveu sobre minha pintura comentando a “fase dos verdes e azuis”, vista por ele como a combinação mais difícil do mundo das artes e exaltando a originalidade com que as tonalidades se envolviam. Outra crítica, também agradável foi a observação feita na fase dos amarelos, pelo crítico Fernando Góes, da Escola de Jornalismo de São Paulo. Suas palavras marcaram-me profundamente quando afirmou “amarelos de ouro líquido revelados em seu trabalho”.

Outro comentário inesquecível para mim, foi feito pela crítica francesa “L’Annuaire International de L’Art”, sobre a “força davinciana” do meu traço.

Tais comentários, sem dúvida, marcaram fases importantes da minha carreira, são resultados do meu trabalho, que credito, ao estímulo, ao apoio, e à confiança recebidos de meus saudosos pais.

Atualmente o que está desenvolvendo na sua pintura?

Continuo buscando aprender mais, buscando aperfeiçoar a relação entre o visual e o intelectual. No visual procuro representar aquilo que é evidente, transcrição pura e simples da sensação ótica. No intelectual procuro representar aquilo que, embora não seja visto pelo sentido da visão, sua existência é sentida. Meu objetivo continua sendo desenvolver a percepção entre o realismo visual e o realismo intelectual.

Como fluem no artista a inspiração e o talento?

O talento é inato, é uma dádiva misteriosa do Criador. O artista só toma conhecimento do que lhe foi doado, graciosamente, quando seus feitos são reconhecidos por outras pessoas. Esse reconhecimento é o que o impulsiona para fazer alguma coisa bela e importante. E é isso que sobrevive ao tempo e ao espaço. Entretanto o talento sem o preparo técnico e artístico muito pouco valeria. A história nos apresenta inúmeros exemplos de vida plena de esforços, de artistas ilustres. Relembrando esses grandes mestres citaríamos, por oportuno, “Degas”, que afirmava: “mesmo copiando a natureza é preciso criar”. Sua arte singular tem sido até hoje objeto de estudos. Essa afirmação nos mostra que mesmo copiando, retratando a natureza, a inspiração deve fluir para criar. Um ângulo de paisagem que nos impressiona leva-nos a interpretar o que vemos, de maneira criativa sem o recurso da adulteração. Em composição é importante equilibrar o que se vê na natureza, sua forma e sua essência de modo que, ao adicionar ou subtrair elementos não se impeça o florescimento de uma criação.

Entre seus trabalhos, com qual mais se identifica?

O último trabalho sempre nos traz maior identificação, isto pela própria evolução do artista. Entretanto, sempre existe um trabalho que nos toca mais, quer pelo motivo, pelo modelo e até pela própria história do quadro em si.

Como o desenvolvimento tecnológico influi no meio artístico de hoje?

O avanço tecnológico alargou profundamente os recursos técnicos e científicos, mas, a verdadeira arte, e só ela, sobrevive do tradicional e do conservadorismo. Portinari demonstrou preocupação com o fato de que a arte, com o avanço tecnológico viria a acabar um dia. Atualmente já estamos sentindo a dificuldade de caracterização dos trabalhos dos autores. O processo de democratização artística, apesar do seu caráter marcadamente positivo, talvez pela forma como está sendo conduzido, provocou, na realidade, alguns efeitos negativos e conseqüentemente a massificação da arte.

Como você foi escolhido para a vice-presidência da Academia Nacional de Belas Artes?

Acredito que pelo resultado do meu trabalho e pelo tempo de exercício na profissão. Meus objetivos e metas nunca foram desviados, sempre foram mantidos. Embora isso às vezes nos traga alguns sacrifícios por conta da fidelidade à vocação, às vezes também pode trazer reconhecimentos.

Continuam chegando convites para exposições no exterior e de onde especificamente?

O recebimento de convites tem sido uma constante. O atendimento a eles representa grande oportunidade para a divulgação do meu trabalho no exterior. Além dos Estados Unidos, tenho recebido convites da França, Suíça e Itália.

O que você apagaria de sua história?

Nada. Obtive experiências até com as coisas negativas.

Mensagem

Uma mensagem de um autor desconhecido, que me toca profundamente é a seguinte:

“A fé é um poder espiritual tão grande, uma força tão viva, tão forte, que se soubermos empregá-la, aniquilaremos as possíveis forças inimigas que poderão estar nos assolando de todas as partes”.

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