Em sintonia

João Baptista Galhardo

O trabalho espanta principalmente três males: o vício, a pobreza e o tédio. E, quando feito com prazer, transforma-se em alegria. Praticada em conjunto, em equipe, há necessidade da solidariedade, ajuda e cooperação para um resultado produtivo. Acontece, porém, não ser incomum a presença do desagregador que além de negligenciar nas suas funções ou trabalho, instiga os demais a fazerem o mesmo. É aquele revoltado com a vida. O que amaldiçoa o emprego que tem.

É conhecida a história de quatro pessoas chamadas Todo Mundo, Alguém, Qualquer Um e Ninguém. Havia um grande trabalho a ser feito e Todo Mundo tinha certeza de que Alguém o faria. Qualquer Um poderia ter feito, mas Ninguém o fez. Alguém ficou nervoso porque era um trabalho de Todo Mundo. Todo Mundo pensou que Qualquer Um poderia fazê-lo, mas Ninguém imaginou que Todo Mundo deixasse de fazer. Ao final, Todo Mundo culpou Alguém, quando Ninguém fez o que Qualquer Um poderia ter feito.

Em toda coletividade há bons e ruins, mas sabe-se que uma maçã podre estraga as boas. Uma empresa estava em situação difícil, com produção quase zero. Despesa maior que a receita. Trabalhadores desmotivados. Cada um na sua e de forma desidiosa. Qualquer coisa precisava ser feita. Um dia os funcionários chegaram para trabalhar e encontraram na portaria um enorme cartaz onde estava escrito: “Faleceu ontem a pessoa que impediu o seu crescimento e o da empresa. Você está convidado para o velório na quadra de esportes”. Houve tristeza geral. E a curiosidade de se saber quem é que estava causando estragos. Formou-se longa fila. Quando se aproximaram do caixão verificaram que havia no visor um grande espelho refletindo a própria imagem.

A vida tem sido dessa forma. Nos escritórios, oficinas, bancos, lojas, casas de saúde, enfim, em qualquer local de trabalho. Os desiludidos consigo mesmo são sempre os culpados pela desordem implantada. Esses pentelhos estão em toda parte.

Uma marcenaria bastante próspera e reconhecida pelos belos móveis coloniais que fabricava, de repente viu o declínio de sua produção. O Patrão resolveu fazer uma reunião para informar que entre as ferramentas, alguma estava boicotando o serviço e prejudicando o trabalho da turma.

– Vou fechar por três dias. No retorno alguém será despedido. A não ser que vocês voltem a se dedicar e alavancar a fábrica.

Ele era muito respeitador. Sequer usara, antes, um alicate como martelo e vice-versa. À portas fechadas houve reunião ininterrupta. O trinco botou a culpa no cadeado de ser muito fechado e introvertido. Tímido. Um chato como tantos. O cadeado fez sua defesa e acusou a lixa de encrenqueira. A lixa acusou a broca de se meter no trabalho dos outros. A grosa só ouvia. De vez em quando balançava a cabeça, concordando ou discordando. A régua traçava conversa paralela. – Eu alertei. A casa caiu… O transferidor desviava a conversa para outro ângulo. O esmeril disse que não acumularia função. – Além de desbastar vão querer que eu escove… A broca disse que a furadeira não largava do seu pé. A furadeira “entregou” o parafuso. – Ele enrola e só dá atenção para a rosca da porca. O parafuso acusou a chave-de-fenda de mexer muito com a cabeça dela e dos outros. A chave-de-fenda acusou o metro e a trena de ficarem medindo todo mundo, achando que são os únicos perfeitos. E o metro perdeu a boa, dizendo que o martelo é quem estava dando golpes.

Em uma equipe sincronizada, todos são importantes. Mas em conjunto. Individualmente ninguém é insubstituível.

Com o retorno do Patrão ficaram todos tensos, perguntando-lhe quem ele despediria. – Eu não. Vocês farão isso por votação secreta.

Realizada a eleição todos votaram na lixa. Realmente era ela a futriqueira e desagregadora. Foi quem iniciou a rebelião contra o Patrão, chamando todos de bajuladores, sem personalidade. – Não fui feita para alisar homem. Muito menos Chefe. Vejam a lapiseira interesseira que vive se esfregando no bolso dele. A lapiseira teve um único voto. Por certo da invejosa lixa que se achava tão fina, mas não passava de uma grossa, casca dura e áspera para com todos. Despedida que foi, a equipe recuperou a harmonia e a dedicação. Voltou a oficina a produzir belos móveis.

E como têm lixas por aí…

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