DPP – Data Provável do Parto

O controle médico das mulheres grávidas, chamado pré-natal, começa com uma pergunta: "Qual foi o primeiro dia de sua última menstruação?" Pela data informada, o Doutor faz uma continha e anota quando, mais ou menos, o bebê irá nascer. Essa continha é feita de cabeça: 3 meses prá trás e 10 dias prá frente. Se a última menstruação foi em 12-06, três meses prá trás será março e 10 dias prá frente será dia 22-03. O Médico anotará na ficha DPP = 22-03, que será a data básica para todo o tratamento pré-natal.

Atualmente, há aparelhos de ultra-som modernos, onde o Médico consegue ver e filmar o corpo do bebê dentro do útero, se está perfeitinho, se é menino ou menina e até medir com precisão a distância que vai do cocuruto até ao curanchim, já saindo calculado o tempo de gravidez e a previsão do dia do parto. Mesmo assim, os Obstetras continuam fazendo a costumeira continha e marcando na ficha a DPP tradicional.

Não gosto de siglas porque podem causar enganos ou confusões. Exemplos: ACM é a Associação Cristã de Moços, mas são as iniciais de um popular político baiano; AAS é a aspirina, mas serve para a Associação Atlética de Sergipe; PT é partido político, mas nos telegramas significa ponto final; ECT é o tratamento psiquiátrico Eletro-Choque-Terapia ou é a Empresa de Correios e Telégrafos; CTB era a antiga Companhia Telefônica Brasileira e agora é o Código de Trânsito Brasileiro; GNA é a doença glomérulo-nefrite aguda e também a Guarda Noturna de Araras; se a gente falar HC entre os Médicos, todos irão pensar em Hospital das Clínicas, mas se a gente falar HC aos Advogados, significa pedir "Habeas Corpus" para algum preso; LINS é uma cidade, mas lá no Fórum é quando alguém não foi localizado pela justiça por estar num Lugar Incerto e Não Sabido.

Na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde me formei, os professores evitavam siglas. Alguns anos depois, já estando em Araraquara, chegaram vários Médicos formados em Ribeirão Preto: Dr. Luiz Gonzaga Corrêa, Dr. Bertolino Bruno de Almeida, Dr. Wilson Antunes Pereira, Dr. Cláudio Curti, Dr. José Sadala, Dr. Ivo Jardim Santos, Dr. Segundo Fiorani, Dr. Júlio Sudário Guimarães, Dr. Luiz Augusto Ferreira de Muniz, Dr. Cleiton Rezende de Almeida, etc. Eles me ensinaram um monte de siglas usadas lá. Diarréia ou disenteria, por exemplo, eles me ensinaram que é GÉCA, ou seja Gastro-Entero-Colite Aguda…

A sigla DPP (Data Provável do Parto) também é confusa. Os Médicos que fazem pré-natal usam as mesmas letras num dos episódios mais dramáticos da gravidez que é o Descolamento Prematuro da Placenta, no qual o bebê pode ter uma grave hemorragia antes de nascer.

O que eu gosto mesmo é das palavras esquisitas da nossa língua, como é o caso de parturição, o mesmo que parto. Mais esquisita ainda é este outro sinônimo de parto: APOCIÉSE, que vem do grego. ("Apo" é conclusão ou final e "ciésis" quer dizer gravidez).

"Pseudociése" ou falsa gravidez é um problema mental em que a pessoa se julga grávida sem estar, com vários sintomas imaginários, incha a barriga e diz que sente o nenê mexer. Estou falando sério: há casos registrados de homens neuróticos que tiveram esse transtorno.

A operação cesariana se escreve com I no meio, mas pode ser dita cesárea, com E. O corte antigo era sempre feito na vertical, desde o umbigo até aos pelinhos, mas as mulheres tinham bronca da cicatriz. No Século Dezenove, surgiu o chamado "Parto de Buda", que é a cesárea com corte horizontal bem comprido. (Ver recorte à esquerda). O Médico, antes de cortar, fazia a grávida sentar-se em posição de Buda até formar-se uma dobra ou sulco na pele do pé da barriga, que o Doutor marcava riscando com um palito molhado em azul de metileno, para cortar certinho. Durante os 5 primeiros anos do Século Vinte, o consagrado ginecologista alemão Johann Pfannenstiel divulgou seu desenho para o corte da barriga de uma forma mais geométrica e mais curta que é seguido até hoje.

No ano de 1972, o pneu de meu carro furou e eu fui no borracheiro que havia pertinho do Sé, ao lado onde é hoje o restaurante Chambom. Na mesma hora, vi parar uma lambreta do outro lado da rua, junto à calçada do posto de gasolina. Na garupa, estava a jovem esposa do lambretista, bem barriguda. Ele pegou um pneuzinho que estava furado e entrou na borracharia. A mulher dele ficou lá perto da lambreta em pé, com as pernas abertas e com os braços cruzados em cima da barriga, do jeito que desenhei aí do lado esquerdo. Enquanto esperava o conserto de nossos pneus, comecei a conversar com o dono da lambreta. Durante várias vezes em que olhei para o lado da mulher dele, ela se mantinha do mesmo jeito, na mesma pose: as pernas abertas e os dois braços cruzados e apoiados na barriga dela…

Lá pelas tantas, eu falei prá ele: "Você já tem filhos?" Ele me respondeu: "Ainda não; no final da semana que vem vai nascer nosso primeiro filho; ou filha, né…" O cara já me conhecia como médico, mas eu não tinha amizade com ele. Quando ele me deu essa resposta, eu falei que o bebê deles iria nascer naquela noite, pela madrugada. Ele me retrucou com segurança que o parto seria no final da semana que vem, porque eles haviam acabado por passar em consulta…

Eu dei uma risadinha e fui abrir meu carro porque meu pneu já estava consertado. Fui saindo e disse prá ele: "Boa sorte e, chegando em casa, não se esqueça de já deixar tudo arrumado porque o nenê vai nascer amanhã antes do sol nascer…" Entrei no carro e cumprimentei a esposa dele dizendo: "Boa sorte prá vocês amanhã e saúde para o nenê!"

Dia seguinte à tarde, minha secretária do consultório disse que havia um moço desejando falar comigo rapidinho. Entrou o moço da lambreta e me disse: "Doutor, minha mulher teve nenê hoje cedo na Beneficência; é uma linda menininha; queremos que o Senhor batize ela prá dar sorte prá gente!"

Foi assim que ganhei mais uma afilhada araraquarense, que hoje já é casada e mãe de família.

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