Vitor Di Francisco Fº (*)
Dívida Ativa dos Municípios: Contratação de Bancos – inconstitucionalidade
Com a finalidade precípua de alavancar recursos para aplicação em investimentos e outras destinações sociais, as duas principais cidades da Região Central: Araraquara e São Carlos, preparam licitação pública, após aprovação de Lei Municipal, para que as instituições financeiras fiquem responsáveis pela cobrança de parte da dívida ativa municipal (tributos atrasados), desde que respeitados alguns parâmetros legais.
Para tanto, baseiam-se exclusivamente na Resolução nº 33 de 13 de julho de 2006, publicada no DOU em 14/07/06 do Senado Federal, que assim dispõe em seu artigo 1º: Podem os Estados, Distrito Federal e Municípios ceder a instituições financeiras a sua dívida ativa, para cobrança por endosso-mandato, mediante antecipação de receita de até o valor de face dos créditos, desde que respeitados os limites e condições estabelecidos pela Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, e pelas Resoluções nºs 40 e 43, de 2001, do Senado Federal.
O presente estudo vincula-se meramente ao aspecto jurídico da Resolução nº 33/06 do Senado Federal, onde podemos afirmar com total segurança que a mesma é totalmente inconstitucional, violando frontalmente os artigos 24, I, 37, XVIII e XXII, 52, “e”, 61, par. 1º, II, “b”, 132, 145, par. 1º, 146, III, “b” e “d” e 146, par. Único, IV da Carta Política de 1988, como ficará demonstrado em cognição sumária.
O Senado Federal detém a competência de editar Resoluções. As Resoluções tanto podem ser regedoras de matérias internas, próprias dessa Casa Legislativa, quanto podem ser regedoras de matérias externas, destinadas a terceiros distintos daquela Casa.
As Resoluções de efeito externo, do Senado, a exemplo da que citamos, se revestem de eficácia geral e abstrata. Mesmo quando voltadas para um determinado segmento, que in casu são os Estados, Distrito Federal e Municípios, não perdem esse caráter de eficácia geral e de abstração, eis que cuidam da matéria normatizada dessa forma.
Como norma de efeito externo, a Resolução 33/06 torna-se passível de controle do judiciário, em especial quanto a sua conformidade formal e material com a Constituição Federal/88, passível portanto de ser declarada inconstitucional, quer pelo controle difuso, como pelo controle concentrado, prevista no art. 101, I, “a” da Carta Política, através de ADI- Ação Direta de Inconstitucionalidade.
A operação descrita na Resolução 33/06, não pode ser enquadrada como uma típica “operação de crédito”. Conquanto fale ela em antecipação de receita, não há que se confundir a expressão que ela utiliza com a conceituação de antecipação de receita prevista nas operações de crédito.
De acordo com as disposições da Lei 4.320/64 devidamente recepecionado pela atual Constituição e da Lei Complementar 101/01 e ainda com o socorro do disposto no art. 150, par. 7º da CF/88, a antecipação de receita vem a ser uma operação de crédito de antecipação de arrecadação da receita projetada, relativa a tributos cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido.
É o caso típico da antecipação pelo contribuinte substituto, como tratado na disposição constitucional ora citada. Aquela receita que poderá ser gerada futuramente e auferida em momento vindouro é antecipada, via operação de crédito. Destaca-se, reiterando, que a antecipação de receita é pertinente a fatos geradores não ocorridos, a expectativa de direito a crédito tributário ainda não constituído.
Na Resolução, o negócio jurídico normatizado refere-se a créditos tributários, e não tributários constituídos, líquidos, certos e exigíveis, isto é, a dívida ativa. O emprego da expressão, a toda certeza, traz nela embutida a intenção de dar um cunho de constitucionalidade à Resolução.
De outro giro a inconstitucionalidade material é cristalina, pois a Resolução 33/06, ao escopo de regular negócio jurídico entre Unidades da Federação e instituições financeiras privadas, valeu-se de atribuições que não poderiam ser nela normatizadas, eis que previstas para segmento específico de servidores públicos, de acordo com a Carta Política.
Ao possibilitar a delegação de poderes a entidade privada para gerir a dívida ativa de Unidades da Federação, que majoritariamente é composta de créditos tributários, usurpou “atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas”, os agentes do fisco.
Releve-se que a Resolução, em sua normatização, art. 2º, atribui a instituições financeiras privadas até a competência de parcelar débitos tributários.
Como conseqüência jurídica, as Leis Municipais editadas pelos Municípios de Araraquara e São Carlos, para a contratação de instituições financeiras para gerirem a cobrança de sua dívida ativa, com fundamento único na Resolução do Senado Federal nº 33/06, são totalmente inconstitucionais, eis que viola os diversos dispositivos constitucionais já mencionados.
(*) Advogado, Mestre em Direito Empresarial e colaborador do JA.(Dúvidas pelo fone: (16) 3364-1001)