Desmaio na Hora H

Quem escreve crônicas semanais, meu caso, fica sempre com a antena ligada para captar o que estão falando ou o que está acontecendo ao redor para fazer um trampolim de boas lembranças que merecem ser contadas na próxima edição do jornal.

Na véspera do feriado, sexta-feira dia 6, recebi um telefonema da cidade gaúcha de Três de Maio, Rio Grande do Sul. Era um tal Messias, que não conheço. Ele me deu o nome de um filho dele que foi atendido por mim aqui em Araraquara em 1988, com queimaduras, e me pediu se poderia fazer um relatório do atendimento dele. Tenho todas as fichas de meus pacientes bem guardadas, de modo que vou fazer o relatório e enviar lá prá Três de Maio, pro tal Messias, pelo correio. Por sinal, tenho fichas de mais de vinte pacientes três-maienses, que atendi nos hospitais daqui de Araraquara.

Vejam só os leitores o que me aconteceu. Fiquei pensando no nome da cidade de Três de Maio, associei com a palavra DESMAIO e acabei lembrando de um caso antigo que me deu assunto prá hoje.

Desmaio é a perda repentina do sentido e do movimento. A pessoa fica pálida, se desliga do ambiente e não se mexe, parecendo que foi pros quiabos.

Existe o desmaio leve ou momentâneo, que chamam desfalecimento, atribuindo-o à falta de sangue na cabeça. O desfalecimento mais comum acontece prá algumas pessoas quando se abaixam prá pegar qualquer coisa do chão e se levantam subitamente. Ao abaixar-se, vai bastante sangue para o cérebro. Ao levantar a cabeça o sangue desce muito rápido, porque as veias do pescoço para cima não têm válvulas, como as das veias das pernas. Não tendo válvulas, o sangue desce de uma vez só, a cabeça fica com pouco sangue e lá vem o desfalecimento.

O nome técnico do desmaio é lipotímia, que vem do grego. "Leipo" é algo que falta e "thimo" é ânimo, dando portanto "falta de ânimo". As palavras ânimo e alma vieram da mesma palavra do Latim, "anima", tanto que alma em italiano é exatamente "ánima".

Lipotímia, como disse, não veio do Latim, mas do Grego, e dá a idéia exata de que a alma da pessoa foi dar uma voltinha…

O desmaio mais grave é denominado "síncope", sendo palavra que significa uma perda de contato entre o corpo e a alma. Os desmaios demorados ou repetidos recebem a denominação de "estado sincopal".

A Medicina faz demorados estudos sobre os desmaios, porque cabe aos médicos que socorrem o paciente determinar se o caso é um desmaio simples ou se está ocorrendo um mal súbito que poderá levá-lo à morte, como a dor de um infarto, uma hemorragia por dentro, uma alta ou uma baixa da glicose num diabético, um ataque de epilepsia, um abuso de drogas, etc.

Existe ainda o desmaio por fingimento. O interessante é que existe quem finge uma doença ou um desmaio por querer, para tapear os outros, e existe o fingimento por perturbação mental, que é a chamada histeria. O Médico precisa ser cobra prá matar a charada.

A moçada que está concluindo o Curso de Direito, atualmente, precisa escrever a tal Monografia, que é algo escrito sobre uma determinada pesquisa de literatura sobre um tema escolhido. É semelhante ao tal TCC, que é o trabalho de conclusão de curso ou às teses para obtenção de títulos para lecionar. Para a realização de tais trabalhos escritos, os estudantes recorrem a um orientador, que é o profissional que se dispõe e indicar as melhores fontes de pesquisa e a corrigir a linha científica das abordagens.

É uma honra ser orientador, mesmo porque o nome da gente fica escrito no trabalho, sendo uma bela honraria. Aqui em Araraquara, a primeira vez em que fui orientador, o assunto era de Biblioteconomia. Não tenho nada a ver com essas coisas de montar uma biblioteca, organizando o fluxo de obras e o fluxo dos autores e de leitores. Fiz o que pude para ajudar a jovem que me convidou para orientá-la, baseada na amizade que eu tinha com o pai dela, o inesquecível Basílio Paschoalato, com quem trabalhei lá no Ambulatório da Associação dos Fornecedores de Cana de Araraquara.

A melhor experiência que tive como orientador foi em 1957, estando no 4º ano de Medicina no Rio de Janeiro. Nesse ano, eu já estava trabalhando com o Professor Ivo Pitanguy, em Cirurgia Plástica, motivo pelo qual, um aluno do 6º ano me convidou para ser orientador dele na tese que ele estava montando para participar da Maratona Científica patrocinada pelo MEC. Fui escolhido por ele porque a tese versava sobre sangramento durante cirurgias do rosto.

Empenhei-me ao máximo para ajudá-lo, tendo ido um monte de vezes á Biblioteca Nacional para coletar dados prá ele.

Em 31 de agosto daquele ano, num sábado, três dias depois de meu aniversário, foi marcada a apresentação dele num anfiteatro da Reitoria e eu vesti meu único terno para sentar-me à mesa examinadora, ao lado de quatro professores, sendo dois cirurgiões gerais, um anatomista e um patologista.

O patologista foi o primeiro examinador, tentando massacrar meu amigo com 5 perguntas de uma vez só, todas sobre a "fisiologia da cicatrização". O quase doutor ficou pálido na hora. Percebi que ele não estava preparado para aquela questão. Eu estava com um lápis vermelho grosso na mão e escrevi rapidamente num papel que estava à minha frente: "Desmaie !" e virei discretamente pro lado dele, enquanto ele estava fazendo cara de pensamento.

Ele deu uma balançada no corpo e amontoou no chão, perto de onde eu estava. Levantei-me rapidamente para socorrê-lo antes que outro o fizesse. Peguei o pulso dele, ouvi o coração com a orelha no peito dele e falei: "Ele é sofre da tireóide, vamos levá-lo rápido pro "Souza Aguiar" (pronto-socorro).

Ele escapou do debate e teve a chance de se apresentar novamente um mês depois, tratando de se aperfeiçoar mais nos temas que o Patologista tinha preferência, sendo aprovado com distinção. Fiquei convicto que um orientador deve realmente orientar…

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