(*) Antonio Delfim Netto
Assistimos esta semana o primeiro "soluço" do processo de correção dos mecanismos de financiamento do enorme déficit em conta-corrente dos Estados Unidos, equivalente a 7% do seu PIB. Um ligeiro solavanco, suficiente para alimentar o "stress" dos mercados financeiros, assustando os chamados "emergentes" mas que reflete, na realidade, o desconforto crescente dos agentes econômicos em acomodar nos seus portfólios o aumento da dívida americana.
Os países cujos saldos comerciais têm participação importante naquele déficit , como a China e o Japão que detêm 37% do total, vêm sustentando a expansão do déficit americano financiando-o com a compra de papéis do Tesouro. Tal sistema no entanto viola a segunda lei da termodinâmica (o moto contínuo é impossível). Ninguém sabe quando vai começar, de fato, o ajuste nem qual a velocidade do processo: pode ser agora ou levar dois, três anos, mas é inexorável. Ele vai acabar de uma forma que pode ser dolorida, como nos ensinou a experiência dos petrodólares na crise dos anos 80.
É muito pouco provável que um desajuste em conta-corrente daquela dimensão, no maior país do mundo, possa ser resolvido apenas com a desvalorização do dólar, a não ser que os principais parceiros com grandes superávits no comércio permitissem uma forte valorização de suas moedas. A China, por exemplo, maior beneficiária do déficit comercial americano, valorizou o Yuan em termos reais em menos de 5% entre abril de 2004 e abril de 2006. Mesmo pressionada, de tempos em tempos, pela Secretaria do Tesouro dos EUA, não dá nenhum sinal de que "amoleceu o coração" para aliviar os problemas do grande irmão. Preserva a taxa de câmbio como um fator decisivo em sua política de agressividade comercial que lhe permite inundar o mundo com mercadorias de baixo preço.
O Brasil, "cheio de amor para dar", vivendo um período de bondades com seus parceiros, tem um saldo comercial com os Estados Unidos de 9 bilhões de dólares, (que se compara com o saldo de 202 bilhões de dólares da China), mas mantém um nível excepcional de solidariedade com o velho companheiro do Norte: descontada a inflação interna, valorizou a moeda 36% em relação ao dólar nestes 2 últimos anos, transformando o Real na mais saborosa mercadoria consumida pelo capital financeiro internacional.
Não há muita alternativa para a desmontagem do sistema a não ser, infelizmente, uma recessão nos Estados Unidos que irá punir mais duramente os países com grande superávits mas não livrará de problemas todos os demais .
Os estragos que a supervalorização do Real produziu na economia brasileira são muito grandes. Para enfrentar as novas dificuldades que se prenunciam será preciso coragem para adotar as medidas que vão produzir o equilíbrio cambial, reduzindo de maneira segura e cuidadosa a taxa de juro de forma a suprimir a diferença entre as taxas interna e externa e eliminar a arbitragem que permite a valorização do Real.
(*) E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br