Antonio Delfim Netto (*)
Os donos de carros Flex, Flexpower (ou que nome tenham os veículos que utilizam mais de um combustível), têm toda a razão de se aborrecerem com a alta do preço do álcool e, pior ainda, com a explicação que esse aumento resulta do fato que se negligenciou a formação de estoques reguladores para cobrir o período de entressafra da cana. Quase às vésperas da entrada da nova safra a oferta de álcool está curta para atender à crescente demanda resultante do próprio sucesso dos modelitos bi-combustível. Isso é muito ruim porque deixou criar um problema que vai minar a confiança do consumidor nesses modelos e na manutenção da oferta regular do único combustível líquido não poluente, da energia renovável que é produto de uma tecnologia desenvolvida aqui mesmo no Brasil, com raro sucesso, como todos nós sabemos.
Não há desculpas para a falha porque não é a primeira vez que um programa formidável como o do álcool foi vítima da imprevidência tanto do governo como do próprio setor produtivo. A providência de diminuir o percentual do álcool na mistura com a gasolina é correta mas chegou tarde e ainda assim de forma incompleta. É preciso que ela seja acompanhada de um corte na CIDE – Combustíveis (o imposto apelidado de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) de tal sorte que se reduziria a demanda do álcool sem aumentar a demanda do produto final. Faltou mais, ainda, o concerto de produtores e governo na montagem dos mecanismos para a formação do estoque regulador. Na medida em que o álcool é produzido durante seis meses e consumido durante os doze meses do ano, é evidente que é preciso guardar pelo menos a metade da produção, um pouco mais, um pouco menos, dependendo das variações sazonais.
A dureza é que há mais de cem anos sabemos que para ter a oferta regular e ordenada, para sustentar a credibilidade de todo esse magnífico programa, é imprescindível a organização dos estoques reguladores. É igualmente evidente que, na atual contingência das taxas de juro mais altas do mundo, a formação e gerenciamento dos estoques terão um custo muito elevado, mas é por isso mesmo que o governo tem que ajudar a financiar, complementando o que for exigido dos produtores. Tão logo retornem os juros civilizados, o próprio setor produtivo terá que se encarregar da organização dos estoques reguladores, porque a sobrevivência do seu negócio depende da credibilidade que o consumidor devote ao sistema.
Não deve haver dúvida, nem da parte de governos nem de produtores: os consumidores não vão aceitar que lhes empurrem os aumentos de preços do álcool simplesmente porque não foram capazes de organizar estoques reguladores importantes que garantam a oferta regular e ordenada nas entressafras da cana. O álcool é a melhor energia não poluente, mas não é a única alternativa: há um desenvolvimento forte nos motores elétricos, na utilização do hidrogênio, sem contar o aprimoramento dos processos de uso do gás veicular que há muito já passaram da fase experimental.
(*) E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br