Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves (*)
Desde que o consumo das drogas se disseminou – por razões que não há necessidade de enumerar, pois são de conhecimento geral – todas as localidades, desde as metrópoles até os grotões mais isolados têm sua cracolândia, local onde os traficantes das mais diferentes substâncias ilegais e prejudiciais à saúde as comercializam para os viciados. Quanto maior a cidade, mais expressiva a presença dessa feira macabra e o reconhecimento dos malefícios por ela causados. Nós, que vivemos em São Paulo, somos testemunhas oculares disso. O negócio criminosos e desumano já se instalou, de forma perceptível, no centro da nossa capital há pelo menos três décadas Praticamente todas as tentativas de eliminação restaram infrutíferas, tanto que o negócio criminoso permanece ativo.
A repressão policial, muitas vezes tentada, nada mais consegue do que afugentar traficantes e viciados para outros pontos da cidade, onde se reorganizam e continuam na atividade. Serve, também, de combustível para os que lucram com o tráfico ou atividades paralelas (legais ou ilegais) e os próprios consumidores das substâncias tóxicas se vitimizarem e, ainda, buscar a solidariedade – incauta ou criminosa – de diferentes setores da sociedade. Urge a premente necessidade de encaminhar para os devidos tratamentos médicos e psicológicos os viciados porque, na ausência deles, cessa o lucro do tráfico, que –se tornará inviável.
Uma grande parcela dos drogados já perdeu sua família, a dignidade e até o raciocínio para cuidar da própria vida. São verdadeiros zumbis que na maioria das vezes não têm mais discernimento para compreender o quadro de penúria a que foram reduzidos e a exploração de que são vítimas. Esses pobres seres têm de receber o apoio para, um dia, voltarem a viver na verdadeira acepção do termo. Só a internação e o tratamento de saúde serão capazes de reverter o vicio e suas consequências. E só e unicamente o poder federal possui as reais condições e meios legais para executá-la. O Ministério da Saúde, se o governo quiser, dispõe de protocolos para retirar das ruas e praças os indivíduos que já naufragaram no mar das drogas e promover a sua recuperação física, psicológica e até psiquiátrica, conforme a necessidade e o comprometimento de cada um. Para cada perdido nas drogas recuperado haverá sempre uma família beneficiada e agradecida pelo trabalho, além do reconhecimento social.
O governo federal, pelo seu poder – e considerando a dimensão nacional do problema – é que deve ser o titular dessa tarefa de recuperação social e humanitária. O Ministério da Saúde com seus hospitais, o SUS (Serviço Único de Saúde) e a extensa gama de órgãos especializados, fará uma grande obra se conseguir resgatar os viciados, especialmente aqueles que já perderam o norte e a autoestima. Mas, além destes, também pode oportunizar o socorro aos que, não tendo caído na desgraça absoluta, também penam por não poderem abolir as drogas de suas vidas. Os outros dois níveis de governo também devem participar. Uma vez socorridos os consumidores, os Estados devem, com suas polícias, agir no combate ao tráfico, que é crime. As prefeituras, como administradoras do espaço das cidades, também devem ser chamadas à tarefa para cumprir atividades que dificultem a ação do traficante e de assistência ao viciado que não carecer da medida extrema da internação destinada aos que já perderam toda a cidadania. Diante da Covid-19, que era uma ameaça a toda a população e exigiu a instalação de hospitais de emergência,- providência que foi adotada em todo o País – a clientela das cracolândias é infinitamente menor e fixa. Em vez de dezenas de hospitais de campanha com UTI, serão suficientes apenas um, dois ou no máximo três, que nem exigirão instalação especial, podendo ocupar um dos muitos prédios ociosos da cidade, chácara ou similar. Nada comparável à pandemia que apesar do alto custo e da complexidade, nosso País enfrentou bravamente. Se existirem mil zumbis na cracolândia, é certo que apenas uma parte deles necessitaria de internação. Por não ser algo contagiosos ou de risco (de morte) imediato, os necessitados devem ser levados e avaliados pelos médicos que, conforme a necessidade de cada um, decidirão quem internar e quem poderá ser tratado ambulatorialmente.
Espera-se, ainda, que o Poder Judiciário seja municiado com todos os informes capazes de dar a necessária proteção e encaminhamento aos que caíram nas drogas. Que os partidos políticos e entidades da sociedade, que frequentemente recorrem ao Supremo Tribunal Federal por diferentes razões que fogem ao seu interesse, atuem também em busca da tutela judicial para o socorro de saúde aos que se perderam nas drogas. Provoquem os senhores ministros daquela corte a determinarem a internação dos egressos da cracolândia que necessitarem dessa assistência para recompor boas condições físicas, psicológicas e psiquiátricas.
O projeto do ministro Ricardo Lewandowiski, da Justiça e Segurança Pública, em estudo pelo governo e com tramitação breve prevista no Congresso Nacional poderá ser o grande instrumento para a eliminação das cracolândias e a salvação dos milhares de seus viciados, verdadeiros escravos que podem ser encontrados em todas as cidades brasileiras. Que assim seja feito e o mal das drogas seja, finalmente, controlado.
Os frequentadores e/ou moradores da cracolândia não passam de infelizes vítimas de um quadro social perverso. Além de recuperá-los, é necessário desencorajar todos os que – legal ou ilegalmente – lucram com a desgraça daquelas pobres criaturas. Obra que poderá ser melhor executada através da união de esforços federais, estaduais e municipais…
(*) É dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)