Direito Empresarial
Texto: Vitor Di Francisco Fº (*)
Há muito já se tornou pacífico junto ao STF – Supremo Tribunal Federal a cobrança da TIP – Taxa de Iluminação Pública, com a declaração de sua inconstitucionalidade, que, entretanto, volta agora revestida de uma nova roupagem, ou seja, intitulada de “contribuição”.
Inúmeros contribuintes aguardam a devolução daqueles valores, cobrados indevidamente, com juros e correção monetária, tendo que enfrentar o martírio dos precatórios, um privilégio inaceitável do Estado, nos dias atuais.
A carga tributária no início de 2003, chega a quase 37% do PIB, estando o Brasil em 3º lugar do planeta, com tal incidência, ou seja, pagamos uma carga tributária de primeiro mundo, e recebemos do Estado, um atendimento nivelado aos piores países da África.
O Poder Público, notadamente os Municípios, sempre tentou obter dos contribuintes a contraprestação pelo serviço de iluminação pública através de taxas de iluminação pública.
Assim, através da Emenda Constitucional nº 39 de 19 de dezembro de 2002, publicada no DOU em 20/12/02, acrescentou o seguinte artigo na Carta Política de 1988: “Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.”
Parece que para fins tributários e legais, encontraram a palavra mágica, que antes era “taxa” e agora denomina-se “contribuição”.
Foi assente pelos nossos Tribunais, que por sua natureza a iluminação pública não beneficia cada contribuinte isoladamente, mas a comunidade como um todo, nem tampouco é possível ter sua utilização aferida individualmente.
Na doutrina, o serviço de iluminação sempre foi apontado como insuscetível de ser tributado por taxa.
Neste sentido, destaca-se a lição do Professor Roque Antonio Carraza in Curso de Direito Constitucional Tributário – 11ª ed., p. 327, in verbis:
“…. Salientamos que não é qualquer serviço público que possibilita a tributação por via de taxa de serviço, mas, tão somente, o serviço público específico e divisível, conforme aliás, preceitua a 2ª parte do inc. II do art. 145 da CF.
Para melhor compreensão desta idéia, recordamos que os serviços públicos se dividem em gerais e específicos. Os serviços públicos gerais, ditos também universais, são os prestados uti universi, isto é, indistintamente a todos os cidadãos… É o caso dos serviços de iluminação pública, de segurança pública, de diplomacia, de defesa externa do País etc. Todos eles não podem ser custeados, no Brasil, por meio de taxas, mas, sim, das receitas gerais do Estado, representadas, basicamente pelos impostos ..”
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, já acatou a tese defendida pelos contribuintes e abonou a lição doutrinária mencionada, sendo a ementa proferida no Recurso Extraordinário nº 233.332, in verbis:
“Tributário. Município de Niterói. Taxa de Iluminação Pública. Arts. 176 e 179 da Lei Municipal nº 480, de 24.11.83, com a redação dada pela Lei nº 1.244, de 20.12.93. Tributo de exação inviável, posto ter por fato gerador serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, a ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais.
Recurso não conhecido, com declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos sob epígrafe, que instituíram a taxa no município.”
Sem dúvida
A medida adotada pelo Congresso Nacional a fim de assegurar aos Municípios a possibilidade de exigir dos contribuintes contraprestação pelo serviço de iluminação pública, apesar de ter sido implementada por Emenda Constitucional, é flagrantemente inconstitucional.
É que, em virtude do Supremo Tribunal Federal ter pacificado o entendimento de que é inconstitucional a exigência de taxas pela prestação do serviço de iluminação pública, os Parlamentares, por meio da Emenda Constitucional nº 39, intitularam de “contribuição” a exação criada pelo artigo 149-A, da Constituição Federal de 1988, a fim de permitir que, mesmo sendo um serviço público indivisível, inespecífico e prestado à comunidade em geral, o serviço de iluminação pública possa ser tributado pelos Municípios.
Entretanto, a simples denominação de “contribuição”, atribuída à exação em tela, não é capaz de tornar constitucional a exigência de exação fiscal que tenha por base a prestação do serviço de iluminação pública. Isso porque, nos filiamos à corrente de pensamento que, a partir da redação do artigo 145, da Constituição Federal de 1988, admite que independentemente da nomenclatura atribuída ao tributo, ele necessariamente terá natureza jurídica de imposto, taxa ou de contribuição de melhoria.
No caso em tela, a “contribuição” criada pela Emenda Constitucional nº 39, não é uma contribuição de melhoria eis que, da análise do artigo 149-A, da Constituição Federal nota-se, com facilidade, que sua cobrança não decorre da realização de qualquer obra pública.
Também não é imposto, porque o dispositivo constitucional mencionado estabelece que a “contribuição” é destinada ao custeio do serviço de iluminação pública, e o artigo 167, inciso IV, da Carta Magna, proíbe, expressamente, que a receita de imposto seja vinculada a órgão, fundo ou despesa. Sendo assim, a “contribuição” em análise só pode revestir-se da natureza jurídica de taxa, pois está relacionada à remuneração dos Municípios pela prestação do serviço de iluminação pública.
Sendo taxa, independentemente de receber o nome de “contribuição” e de ter sido criada por Emenda Constitucional, incorre nos vícios de inconstitucionalidade mencionados anteriormente, eis que a doutrina sempre defendeu e o Plenário do Supremo Tribunal Federal acolheu a tese de que o artigo 145, II, da Constituição Federal assegura aos contribuintes o direito e garantia individual de somente haver tributação por taxas de serviços públicos, quando eles forem específicos, divisíveis e diretamente relacionados ao cidadão.
Dessa forma, os contribuintes, pessoas físicas e/ou jurídicas, terão que se valer dos procedimentos legais para obstar a exigência de uma “contribuição” (leia-se taxa) flagrantemente inconstitucional, em face da ânsia arrecadatória do Estado.
(*) Advogado e colaborador especial do JA.