“Isso não é troca de confidências. O Carioca confidenciou, você não…”(CBA). Fica mais fácil para quem me escreve contar publicamente algo da profissão pois, a pedido, posso preservar o nome do colega. Vou “confidenciar” (no meu caso com aspas) curiosidade de uma defesa criminal, perante o tribunal do júri.
Um advogado, que embora criminalista não milita perante o júri, encaminhou-me para consulta prévia mãe e irmã de um jovem que estava preso, aguardando julgamento popular.
O caso era daqueles em que a denúncia imputava ao acusado a conduta de ter tentado matar um homem com um tiro, simulando um roubo, por encomenda da ex-exposa da vítima. Em princípio seria a defesa de um “pistoleiro de aluguel”. A mãe e irmã do acusado disseram por várias vezes que, embora fosse ele instrutor de artes marciais, seria incapaz de fazer o mal para alguém.
Ultrapassada a rotina de estudo do processo, fui até o local onde estava aprisionado o acusado e ele confirmou que teria sido “mobilizado” por um amigo, que já convivia com a ex-mulher da vítima, para “dar um susto” nesta, “jamais para matá-la”. Disse-lhe que as probabilidades dos jurados tomarem por razoável aquela narrativa seriam quase nulas pois como explicar-lhes a aceitação de ir “dar um susto” na vítima? de ter aceito uma arma municiada e quinhentos reais em dinheiro para consumar o fato? de ter feito uma espera diante da casa da vítima naquela noite? de tê-la abordado com voz de assalto e atirado contra a mesma… Concluindo que, com aquela versão dos fatos, a condenação seria certa!
Aquela figura pálida por falta de sol dos quase dois anos de aprisionamento em delegacia, completamente sem esperanças de liberdade a curto prazo, pergunta-me o que fazer e respondi-lhe: sua verdade parece uma mentira que nem eu estou acreditando. Se não me convenci, como vou convencer os jurados… Aceito a causa se você disser que foi lá para matar a vítima e que, por não ter índole assassina, se arrependeu e deu-lhe um tiro na perna… (no fundo eu achei realmente que a versão do “susto” era mentira). Naquele momento ouvi dele apenas: “o senhor é quem sabe…”. Mais tarde no escritório ouvi brados da mãe do acusado inconformada: “o senhor quer que o meu filho diga para os jurados que ele foi lá para matar e acha que vai tirá-lo da cadeia?” Enfim, deu muito trabalho para explicar-lhes os termos do artigo 15 do Código Penal, segundo o qual: “O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”, que seria (e foi) a tese da defesa. Ressalvo que no caso concreto o ato praticado era apenas uma lesão corporal leve, cuja pena já tinha sido superada pelo tempo de aprisionamento do acusado. Felizmente, no júri, venceu a tese da defesa (posto em liberdade o réu) com posterior confirmação pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Momento de humor durante o julgamento, para fixação da tese da defesa foi uma paródia que fizemos de uma propaganda de cartão de crédito: “contratar um pistoleiro: R$ 500,00; comprar uma velha pistola com munição: R$ 600,00; na hora do crime o agente se arrepender e poupar a vida da vítima: não tem preço!”
Elias Mattar Assad (eliasmattarassad@yahoo.com.br) é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.