Comércio e Hegemonia

Antonio Delfim Netto (*)

A reunião sobre comércio em Cancún terminou sem ter avançado na questão dos subsídios concedidos à agroindústria nos países ‘desenvolvidos, que funcionam como proteção ao livre ingresso de produtos agrícolas do “resto” do mundo em seus mercados. Este é o problema de maior interesse para os países em desenvolvimento, especialmente para o Brasil que liderou o grupo dos emergentes no compasso certo, sem desafios inúteis ou bravatas, mas esbarrando na intransigência das potências hegemônicas. Estas não cedem no seu objetivo de bloquear a desoneração dos produtos agrícolas, mesmo quando são obrigadas a reconhecer que se trata de um pleito mais do que justo da maioria, deixando a Organização Mundial do Comércio na incômoda posição da ostra, entre a rocha e as ondas.

É claro – e nossa diplomacia entende disso melhor do que ninguém – que as discussões na OMC envolvem muito mais a questão do poder do que simplesmente o comércio. Todos conhecem a teoria das vantagens comparativas e crêem que a liberdade do comércio é importante para elevar o nível da renda mundial. Quando dois países se abrem para comerciar, eles passam a se conhecer melhor, dissolvendo desconfianças ou eliminando eventuais hostilidades e a renda de ambos se eleva. Um cidadão chamado David Ricardo já ensinava há 180 anos que o comércio é um grande solvente dos atritos entre as Nações.

Embora não se duvide da teoria, o fato é que as Nações não desejam apenas expandir o comércio, mas utilizá-lo também como instrumento de construção de seu Poder. É evidente, nos debates da OMC, que as potências hegemônicas temem conceder às emergentes um aumento de poder. O crescimento da produção agropecuária no Brasil e sua presença ascendente no comércio internacional significam a emergência de um poder capaz de incomodar a hegemonia das grandes potências nos negócios mundiais. Os cuidados se justificam ainda mais quando o país demonstra capacidade diplomática de unir um grupo importante de potências médias em torno do mesmo objetivo.

O que se discutiu, então, na reunião da OMC em Cancún, não foi a distribuição do comércio. Na realidade, foi mais um embate travado em torno da disposição das potências hegemônicas de continuarem hegemônicas

(*) E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br

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