Brega e Chique

Nos anos cinquenta a cidade contava duas classes sociais. A rica e a pobre. A dos pobres subdividia em mais pobres e menos pobres. E entre os ricos havia os falsos. Frequentar o Clube Araraquarense era, pelo menos para muitos, o primeiro sinal de ser rico. Com carro então era super chique. As mães orientavam as filhas para namorar de preferência quem fosse da alta sociedade. E isto implicava fazer parte do quadro social do Clube.

Certa vez, com quinze anos de idade, estava conversando com uma menina que não era namorada, mas a mãe pensando que sim, abordou-me: “você é filho de quem? Respondi: “do Paco e da Nina”. O que faz o seu pai? “É eletricista e minha mãe "de prendas domésticas". Você é sócio do Araraquarense? “Não. Sou da Ferroviária”. Foi o suficiente para levar a filha pelos braços a passos largos para casa. Já havia percebido que só pela grife da minha roupa não havia agradado: calça da loja "Pobre Elegante" e camisa do Brechó "Miséria Chique". Se eu estivesse de roupa branca, com uma raquete em baixo do braço, insinuando jogar no "Tênis Clube", como era conhecida a sede de campo do Araraquarense, não haveria qualquer pergunta. Não me avexei. Não se tratava nem de início de namoro, como a mãe pensou. Mas segui as duas pela curiosidade de saber onde moravam. Quando entraram constatei que a casa era minha velha conhecida, pois ali muitas vezes havia entregado, de bicicleta, intimação do Cartório de Protesto, onde trabalhava como auxiliar.

De imediato identifiquei o pai da menina.

Um useiro e vezeiro em comprar. E da mesma forma em não pagar. Frequentava com a mesma assiduidade tanto o Clube como o Cartório. Era só ostentação. Alarde. Como meu pai dizia naquele tempo: "comia mortadela e arrotava presunto". Numa outra oportunidade, num baile de formatura convidei a menina para dançar. Em seguida seu irmão, esponja de cachaça, entrou no salão e a retirou segurando-a pelo braço: “outra vez com este pé rapado”? Você tem que namorar aquele ali e apontou para um bem mais velho que girava no dedo indicador da mão direita as chaves de um carro. Naquele tempo, sócio do Clube e com carro mãe nenhuma iria contrariar o namoro. Não importaria idade, se era feio ou portador de eventuais vícios. Durante o ano tinha dois grandes acontecimentos sociais na cidade, onde as mães soltavam as rédeas das filhas. No baile de São Pedro que o Clube realizava no mês de julho, onde entravam tão somente sócios. Não se vendia ingressos, tendo as famílias certeza de que qualquer namorado nesse ambiente serviria para as filhas. E outro no mês de setembro, quando se realizava o baile das debutantes. Chique no último. É claro que eram exceções, mas muitos pais faziam questão da debutação das filhas na sociedade para status para se arrumar o chamado bom partido.

Os pobres enchiam a praça de frente ao clube para admirar e julgar os trajes femininos e masculinos.

Os participantes faziam fila fora do clube antes do ingresso no salão de baile. Cada casal: a debutante e acompanhante, era anunciado individualmente. O que os pobres, "jurados" do lado de fora, não sabiam era que muitos trajes eram emprestados ou alugados em cidades vizinhas. Volto a dizer não era a regra, mas a exceção. Ou não? Quem não era soçaite era ralé. “Se vocês não me derem vinte dias para pagar esse cheque sem fundos e me protestarem eu vou me matar. Estou aqui na estação aguardando o trem. Vou me jogar sob as rodas”. Era o telefonema de um senhor ao Serviço de Protesto dizendo que sendo da alta sociedade, não suportaria o vexame de um título protestado. O Escrevente encarregado, muito gozador, disse-lhe: “já que você é tão chique aproveite o trem das dez e oito para São Paulo que é de luxo. Não na frente do que vai para Itirapina, Catanduva, Bauru…”. Quinze minutos depois apareceu no Cartório o mencionado cidadão, amaldiçoando o "funcionário desumano". A verdade é que na época uma "riquinha", mesmo aparente, não namoraria um frequentador das piscinas da ferroviária. Tudo faz lembrar a história da menina de quinze anos de idade que comunicou aos pais que estava grávida. Os pais não aguentaram.

Agrediram a filha física e moralmente: “Você não presta. Não vamos criar bastardo algum. Por certo nem sabe quem é o pai. Vai tomar chá-de-bucha-verde para abortar. Essa criança não pode nascer de jeito algum”.

Dias depois para na frente da casa uma limusine. O motorista abre a porta de trás. Desce um senhor beirando setenta anos de idade, bem trajado, cabelos brancos. Apresenta-se aos pais da gestante e diz: “eu sou o responsável pela gravidez. Vou assumir não só a mãe como a paternidade da criança. E se nascer homem vou passar para o seu nome umas três fazendas e como avós irão administrar. Nascendo mulher, transmitirei a ela algumas lojas de grife sob a administração de vocês. Agora vamos torcer para que ela não aborte”.

E os pais da menina: “pelo amor de Deus, vira essa boca pra lá.

Mas se abortar, por favor, o senhor engravida de novo?

jbgalhardo@uol.com.br

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