João Baptista Galhardo
O meirinho apregoou as partes para início da audiência. Joana dos Anjos contra Laurindo dos Anjos. Motivo: agressão do marido contra a mulher.
O Juiz determina a entrada dos envolvidos, convidando o doutor Promotor Público.
O Escrevente anuncia que a presidência estará a cargo do Juiz Benedito Cioso. Veja o nome do Julgador. Benedito significa abençoado, um louvado por Deus. E cioso significa atencioso e solícito. Juiz muito religioso. Antes de ingressar na judicatura esteve em convento de padres. Sempre fez parte da comunidade religiosa no aconselhamento de casais e noivos. Abraçou a toga por vocação.
Começa a audiência.
– O que houve dona Joana?
– O caso é o seguinte: o Laurindo, todo dia depois do expediente passa antes pelo boteco e ali fica horas bebendo na companhia do Paulinho, do Marcos, do Eduardo e outros amigos. Quando chega em casa, irritado por encontrar a comida fria, passa a me agredir com palavras que não dá para falar aqui. E na última vez me deu uns tapas. Ainda tenho marcas no rosto.
– É verdade senhor Laurindo? (Pergunta o Juiz).
– Não senhor. Eu passo no bar e bebo com amigos, me encorajando para chegar em casa. Ela me espera de avental sujo, com bobs no cabelo, o rosto cheio de pomada feita à base de óleo de fígado de bacalhau. Eu gosto de ovos. Só que ela frita duas horas antes. Parece mais um pedaço de borracha. A salada temperada há tempo já murcha e lambuzada. A toalha é a mesma de três semanas anteriores. Se cair da mesa, fica em pé de tão ensebada. Arroz frio. E se lhe faço algum carinho para ver se rola alguma coisa antes do jantar, ela já vem gritando que está com dor nas costas, dor de cabeça, nas cadeiras ou então repetindo: "tô de Chico", "tô de Chico". Outra vez, a terceira em quinze dias!
Temos talheres bons, mas ela faz questão de colocar garfos tortos e pequenos, pratos rachados, copo de requeijão. Ela implica com tudo, inclusive com o sofá que eu uso para ler meu jornal. È chata pra caramba…
– Doutor (interrompe Joana), nem o senhor… ou melhor, não dá para manter relação sexual com um homem fedendo cachaça, cigarro e aquele bafo de sardinha espetada por palito na cebola de picles.
– Senhor Laurindo, vou condená-lo ao pagamento de seis cestas básicas.
– Protesto Meritíssimo (arrazoa o advogado), o meu cliente agiu em legitima defesa. Ela omitiu que lhe deu uma panelada na cabeça quando ele lhe falou de sexo. Defendeu-se de uma agressão injusta e atual. Sem se falar que ela falta com os deveres conjugais. Não pode ser condenado. E ainda mais. Essa mulher tiraria qualquer homem do sério.
– A sentença está proferida. Se o senhor quiser, recorra. Antes, porém (diz o Magistrado), fica a senhora, dona Joana, advertida que daqui para frente deverá esperar o seu marido de banho tomado, cheirosa, cabelos escovados, roupa limpa, dentes escovados, sem cheiro de tempero, para lhe fazer carinhos após o banho.
Depois das carícias, deverá colocar a mesa com toalha limpa, com aqueles talheres que ficam na gaveta para serem usados só no Natal e copos adequados à bebida servida. E lhe fazer, quando ele pedir, uma omelete de ovos com salsa, queijo e cebolinha verde. Se colocar uma colherinha de maisena, antes de bater, fica bem macio o prato. (Acrescenta o Juiz numa pitada de boa culinária e continua). Após o jantar sente-se com seu marido num sofá, de mãos dadas, com a cabeça colocada carinhosamente sobre o seu ombro, aguardando o sono. Deixe o controle remoto da televisão sob o comando dele e não se atrite se tirar da novela e colocar no futebol. Estamos entendidos dona Joana?
Se a senhora aparecer aqui de novo, tenho certeza que será por sua culpa exclusiva.
Senhor Promotor, tem algum requerimento a fazer?
– Tenho sim, Meritíssimo. Solicito que Vossa Excelência convoque minha mulher para ouvir desse digno juízo as mesmas recomendações.