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As declarações do ministro do STJ reacendem a polêmica sobre os tratamentos para o autismo e os planos de saúde

Natália Soriani (*)

As recentes declarações do ministro Antônio Saldanha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), durante o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, geraram intensa repercussão sobre a cobertura e o tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA). O magistrado referiu-se ao autismo como um “problema” e comparou as atividades realizadas em clínicas especializadas de tratamento a um “passeio na floresta”, questionando os custos desses serviços e a efetividade de suas abordagens.

“Para os pais, é uma tranquilidade saber que o seu filho, que tem um problema, vai ficar de 6 a 8 horas por dia em uma clínica especializada, passeando na floresta. Mas isso custa. Tem uma parte que é médica, outra parte é mais pedagógica, comportamental… E a gente vai ter que enfrentar isso”, afirmou o ministro.

O ministro da Corte Superior também criticou a Lei nº 14.289/2022, conhecida como Lei Romário, que garante direitos a pessoas com deficiência, dispensando a exigência de laudo médico para que essas populações acessem direitos e determinando que os planos de saúde cubram procedimentos mesmo fora do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Na visão dele, a legislação “abriu” possibilidades que não são baseadas em evidências médicas robustas. “Essa Lei 14.289, chamada de Lei Romário, porque o senador Romário foi indicado como relator. Não por acaso, mas ele tem um filho com problemas de cognição, uma filha, não sei bem… É uma lei que abriu, não fala em medicina baseada em evidência, ela fala o seguinte: se vier um laudo técnico, tem que conceder (tratamento). E aí começaram a proliferar, que isso foi direcionado basicamente às pessoas com problema de cognição”, afirmou.

Sem dúvidas, as declarações do ministro são infelizes. Utilizar o termo “problema” para descrever o autismo e banalizar os serviços oferecidos em clínicas especializadas é, no mínimo, um desrespeito às milhares de famílias que enfrentam desafios diários para conseguir o tratamento adequado para seus filhos. No Brasil, são milhares de ações que tramitam na Justiça para garantir a cobertura desses tratamentos.

Esse sim é o problema. A recusa das operadoras de saúde em tratar pessoas com autismo é uma das principais lideranças de processos na Justiça de São Paulo sobre negativa de cobertura assistencial pelos planos médicos, segundo uma pesquisa recente do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e da PUC-SP. O levantamento analisou 16.808 processos que informaram a condição médica que os planos teriam se recusado a tratar. Com 3.017 ações, os TGD (Transtornos Globais de Desenvolvimento) registraram quase o triplo de reclamações em relação ao segundo colocado (1.116), os transtornos por uso de drogas.

O mais triste é ouvir de um ministro da Corte Superior, que tem formação respeitada e acesso a vastas informações, uma postura que ignora o impacto positivo das terapias atuais para os autistas e suas famílias.
Ao chamar o atendimento nas clínicas de “passeio na floresta”, o magistrado banalizou esses tratamentos e desconsiderou os inúmeros estudos científicos que comprovam a sua eficiência .
A ciência evidencia que é a partir dessas terapias que muitas crianças e jovens com autismo garantem um futuro melhor, desenvolvendo habilidades sociais, cognitivas e motoras.

As falas do ministro ganham ainda mais destaque no contexto do aumento das discussões sobre o custo e a cobertura de tratamentos para o autismo nos planos de saúde. Uma questão complexa que tem gerado crescente judicialização. Enquanto as famílias buscam garantir acesso a tratamentos de qualidade, operadoras de planos de saúde frequentemente alegam dificuldade financeira para arcar com as demandas não previstas no rol da ANS.

Importante destacar que a Lei Romário foi criada justamente para garantir maior segurança jurídica aos beneficiários e reduzir o tempo de espera por tratamentos que podem ser determinantes na vida de uma pessoa com deficiência. Entretanto, a resistência de setores do Judiciário e das operadoras de saúde mostra que ainda há um longo caminho a percorrer para assegurar a inclusão e os direitos dessas populações vulneráveis.

As colocações do ministro do STJ, portanto, acendem um alerta para a necessidade de um debate mais profundo e embasado sobre o tema. Afinal, as palavras de um magistrado de instância superior não apenas refletem uma opinião individual, mas também podem influenciar decisões judiciais e a percepção pública sobre os direitos das pessoas com autismo.

(*) É advogada especialista em Direito Médico e da Saúde.

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