Léo Rosa de Andrade (*)
No que me vale a minha experiência, concluo que é inútil discutir crenças em geral. As pessoas formam convicções e dificilmente as submetem ao crivo de uma análise de possibilidade, ou de demonstrabilidade. O\as que foram feito\as crentes jamais verificam os fundamentos de seu credo; nem sequer questionam se as coisas nas quais acreditam resistem a argumentos contrários.
Suponho, talvez presunçosamente, que pouquíssima gente pensa em coisas assim: por que creio no que creio? A simples hipótese de sacudir as próprias certezas espanta. Os crédulos cultivam uma “racionalidade” fundada no é porque é, logo é. Ponto e pronto. São raciocínios viciosos, que se alimentam circularmente, e satisfazem vidas com baixo índice de indagação.
Ordinariamente se sustenta uma crença com a própria crença que se quer demonstrar. A isso, em Lógica ou em Filosofia, chama-se tautologia. É deveras difícil vencer o é porque é, logo é. Ora, pois se é, então é, e dê-se por resolvido. Se há uma “explicação” simples, para que complicar? Aí entra a ciência. A ciência suspeita até da ciência, conflita metodicamente o mundo.
A ciência, porém, no tanto que pesquisa e explica fenômenos, não complica, mas complexifica a compreensão do mundo. Complicar é tornar confuso. Complexificar é recusar o simplismo. O mundo não é mesmo simplesinho, tampouco é complicado. Apenas existem mais coisas entre as crendices populares e a realidade dos fatos do que se apreende em perfunctória investigação.
Como expediente didático, divide-se a ciência em áreas: exatas, biológicas, sociais, humanas, etc. As evoluções nas ciências exatas, em geral, são recepcionadas sem o crivo da opinião popular. Inventos da física ou da química são desde logo aceitos e incorporados à vida cotidiana. Se as evoluções atingem os costumes e a moral dominantes, contudo, são recebidas com ressabio.
As ciências que tratam dos aspectos morais vigentes transitam muito custosamente. É que seu objeto são as questões ideológicas, e elas são ideologicamente consideradas. Seja dizer: nós pensamos sobre ideologia em geral (em tese) a partir de nossa posição ideológica particular (em concreto). Isso gera um impasse difícil de superar. Não opomos suspeição a nós mesmo\as.
Seria possível despir-me da minha moral para estudar as variadas morais? Conseguiria minimizar meus valores enquanto observo outros valores? Não creio. São temas de ideologia. Ideologia é a matéria do pensamento. Ninguém pensa sem ideologia. Pensa-se a partir de uma ideologia. Qual a possibilidade científica, então, de estudar as ciências que tratam dessas questões?
Aprender a surfar ideias. Explico: não controlo as crenças do mundo (ideologias), como o\a surfista não controla as ondas do mar. Mas o\a surfista não deve estar mergulhado\a nas ondas; há de pôr-se livre sobre elas. Do mesmo modo, eu tenho que fazer um esforço de surfista e me por, tanto quanto possível, desapegado dos valores em geral. Não é fácil. Pouco\as se aventuram.
A quem tentar, se lhe abrirão horizontes. O\as contentes se satisfarão com credulidades cultivadas por um sistema de repetição de crenças. Pessoalmente, desde que aprendi a me espreitar, por método, abandonei certezas. Livros de História me ensinaram a origem das fés do meu tempo: mostram de onde vieram, quem as inventou, quando, com que interesse.
O mundo é efeito de relações de poder. Crenças são um negócio como outro qualquer. Os valores que subsistem são os de quem teve força para infundi-los e mantê-los. Eles fazem o mundo ser como é. Convido cada qual a examinar suas convicções. Consegui não ter compromisso com as minhas; descarto-as ao surgir de outras que façam a vida tornar-se melhor.
(*) É Doutor em Direito pela UFSC, Psicanalista e Jornalista.