Rosa Godoy (*)
“Lá está ela aprontando de novo!” A indignação de Naldo era evidente. Dorinha sentia pena do irmão mais velho, embora entendesse perfeitamente e até tentasse, em vão, relativizar o comportamento da mãe. “Deixe para lá, ela sabe o que faz. Está feliz, é o que importa, não acha?”
Como recriminar a mulher vibrante que teimava em ser parida das entranhas da velhinha comportada do Vale do Jequitinhonha? Anulada durante anos e anos pelo marido mandão e cabeçudo, apenas cumprindo o destino invisível das mulheres fadadas a obedecer sem contestar, após a viuvez, Dona Rosilda renascera para a vida, deixando pasmos os que conheceram sua versão anterior, em especial, os filhos. Se a essência guardava pouco do que tinha sido, na aparência nada mudara, mantendo até o tradicional birote e a saia encimando a protuberância abdominal, desgastada nas doze vezes em que ajudara a povoar o norte de Minas.
A “ultima aprontação” a que se referia Naldo era o namoro com o pedreiro que fora reformar sua cozinha. Depois dos bailes, das viagens sem avisar, das observações chocantes sobre o comportamento humano, o relacionamento amoroso com um homem 35 anos mais moço era o coroamento da contestação dos velhos papéis a que estivera submetida durante as quase sete décadas precedentes. Era demais para o filho mais velho, tanto quanto para os demais, homens e mulheres.
Até os netos torceram o nariz quando ela simplesmente comunicou que não poderia comparecer ao terceiro aniversário do bisneto porque na tarde daquele domingo “tinha um compromisso”. Sem maiores explicações, entregou o presentinho da criança após a missa e sumiu do mapa, deixando todos boquiabertos e curiosos, apesar da falta de coragem para perguntar. Da velha performance, Dona Rosilda havia mantido o hábito de não permitir qualquer manifestação acerca das suas atitudes, bem à moda das relações pais e filhos características da tradicional mineirice.
Um mês depois desse episódio, foi visitar a irmã no Rio de Janeiro. Apareceu por lá com o garotão, rodou todos os pontos turísticos da cidade durante quinze dias, coisa que jamais havia feito, a despeito dos insistentes convites da falange familiar carioca. Na ocasião, o sempre incomodado Naldo comentou com a irmã: “Não suporto a idéia daquele garanhão andar comendo minha mãe, ainda mais na Cidade Maravilhosa!”.
No entanto, essa era a grande dúvida: o que faziam os pombinhos? Haveria mesmo a tal começão? No Rio, Joel dormiu no sofá da sala… Já, em Belo Horizonte, ninguém sabia o que se passava, pois disso Dona Rosilda não dava pistas. A curiosidade era tão grande e insuportável que depois de muito conjecturar, resolveram que tinham que saber de qualquer jeito. Perguntar diretamente, nem pensar, porque a resposta jamais viria. O jeito era armar uma situação em que a mãe não tivesse outra saída que não a de, pelo menos, indicar uma resposta.
Foi no almoço de Natal. A imensa família reunida era digna do mais emblemático registro: crianças correndo, todos falando ao mesmo tempo e a eterna agitação que caracteriza um encontro familiar. Lá pelas tantas, à mesa, como quem não quer nada, Naldo eleva a voz, interrompendo a falação: “Vocês notaram como mamãe anda feliz com a companhia de Joel? Tem passeado bastante, está mais bonita. O que a gente não sabe é tudo o que eles fazem. E aí, mamãe, como é esse namoro, o que vocês fazem?”
Sem pestanejar, doce e carinhosa como sempre, Dona Rosilda encara o filho e responde: “Fazemos somente o necessário!”
Apenas Dorinha notou o lampejo de faceirice no olhar da mãe…
(*) É enfermeira e do colaboradora do JA.