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Alguma moral, um pouco de sensatez

Léo Rosa de Andrade (*)

Comumente entende-se que um comportamento é ético se ele é “bom”. Até pode ser assim compreendido, desde que se estabeleça o que significa “bom”. O dicionário Houaiss diz que “bom” é o “moralmente correto em suas atitudes, de acordo com quem julga”. Suas atitudes, pois, serão boas se outro\as a houverem como tal. Acontece que quem julga forma conclusões de acordo com o que pensa que é correto, em conformidade com o que considera moral. Entramos, como se vê, em um círculo semântico de palavras; podemos dizer fazemos expressão tautológica: repetição circular de um conceito sem aclarar sua compreensão.

Se o julgamento do que é ou não é “bom” é efetivado “de acordo com quem julga” e quem julga o faz segundo dita a sua moral, há que se estabelecer um ajuste conceitual: o que é moral? Combinemos que vale o Houaiss: moral é o 1) “conjunto de valores, individuais ou coletivos, considerados universalmente como norteadores das relações sociais e da conduta dos homens”; 2) “cada um dos sistemas variáveis de leis e valores estudados pela ética, caracterizados por organizarem a vida das múltiplas comunidades humanas, diferenciando e definindo comportamentos proscritos, desaconselhados, permitidos ou ideais”.

Moral, pois, é o sistema de valor individual ou de um grupo; o comum é o\a indivíduo\a absorver o do grupo. Acontece que muito\as pensam que a “sua” moral deve ser a moral do grupo e do mundo. Todavia, nenhuma moral é universal; há outros grupos no mundo, além da sua bolha. Como dito: sistemas morais são “caracterizados por organizarem a vida das múltiplas comunidades humanas”. A moral é, assim, necessariamente, relativa, dado que o mundo é múltiplo. A moral pode tomar ares absolutos no seio de uma comunidade. Mais tradicional e religiosa é uma comunidade, mais absolutos são seus preceitos morais.

A questão da moral é uma coisa ao mesmo tempo simples e complicada. É simples se logo for entendido pelo\as indivíduo\as ou grupos que a sua moral é sua e que não se a deveria impô-la a quem sustenta outros valores. Porém, é complicada quando se busca analisar as razões que levam indivíduo\as ou grupos a pretenderem que suas normas morais sejam universais. Absurdamente, famílias se desentendem, vizinho\as são ofendido\as, eleitore\as se afrontam, nações fazem guerra por isso. É mais fácil resolver o problema quando alcançamos que toda moral é histórica; se acreditamos que é divina, prevalece a intolerância.

O Houaiss nos ensina que os valores morais são estudados pela ética. Ética é a “parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo especialmente a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social”. A ética, pois então, quer saber a razão de as diversas morais motivarem e disciplinarem nossas atitudes. Mas a ética também quer saber por que as diversas morais distorcem nossos jeitos, justificando maneiras hostis a condutas que discrepam daquelas que adotamos.

Estudo e lamento esta última questão. Estudo-a como um fato social. Lamento-a como procedimento individual de moralistas que desejam impor sua moral ao mundo. Houaiss, moralismo: 1) “doutrina ou comportamento filosófico ou religioso que elege a moral como valor universal, em detrimento de outros valores existentes”. 2) “consideração moral inconsistente por […] ser baseada em preceitos tradicionais irrefletidos ou por ignorar a particularidade e a complexidade da situação julgada”. Moralistas são sectário\as: “partidários apaixonados, extremados de uma doutrina ou posição religiosa, política ou filosófica” (Houaiss).

O\a moralista, ademais de sectário\a, é reducionista. Reducionismo, Houaiss: “procedimento ou teoria que decompõe (reduz) todo dado ou fenômeno complexo a seus termos mais simples e considera-os mais fundamentais do que o próprio fenômeno”. Moralistas, na análise da vida em comum, são simplórios que veem o mundo a partir de um código único, sem compreender que a realidade é muito mais complexa, rica e bonita que sua mentalidade tacanha. Sectário\as, à esquerda ou à direita, costumam seguir líderes em seu modo de pensar e de agir, e lhes obedecem, defendem e propagam cegamente.

É claro que são necessários valores morais (uma pauta valorizada de conduta em comum), ou não haveria civilização. Mas um sistema moral não é nem “a” verdade, nem “o” caminho, ainda que para muito\as seja uma fé. Não há, mesmo, “a” moral absoluta. Pode-se falar em uma moral adequada, conveniente a uma circunstância. Mas o adequado é algo um tanto subjetivo, pode ser bom para mim e não ser bom para você. Aí, recomeçamos toda a discussão. Então, talvez, mais tolerância na vida pública e menos intromissão na vida privada seja uma recomendável postura moral e uma razoável medida de sensatez.

(*) É Doutor em Direito pela UFSC, Psicanalista e Jornalista.

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