Antonio Delfim Netto
Semana passada comentei aqui neste mesmo espaço que a agricultura do sul do Brasil e de parte do sudeste está precisando de suporte imediato do governo federal para superar a pior crise dos últimos tempos, depois de três anos de estiagem e com os preços à cada dia mais comprimidos. Desde o plano Real o setor agrícola vem transferindo uma parte substancial de sua renda para os setores urbanos mas todos os indicadores mostram sinais de esgotamento dessa capacidade.
Uma ampla pesquisa concluída pouco antes da eleição sob o patrocínio da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária que ouviu a opinião de produtores rurais em todo o país confirma a preocupação da maioria com o aumento das dificuldades para financiar o plantio da nova safra , acrescidas das incertezas com relação ao comportamento dos mercados agrícolas , aqui e externamente. A pesquisa mostra que a intenção do agricultor é plantar mas ele espera a definição do governo quanto à política de preços e em relação a alguma modalidade de seguro de safra. São perceptíveis, no entanto, os sinais que vêem das regiões produtoras de grãos que vai haver uma redução importante das áreas de plantio. Isso vai acontecer não por desejo do produtor mas porque ele percebe que o governo continua indiferente à sua sorte. A verdade é que Brasília comemora a queda dos preços dos alimentos como uma grande vitória contra a "carestia", pois há muito tempo não se tem notícia que um salário mínimo seja suficiente para comprar duas cestas básicas, como atualmente. Ninguém ignora a melhoria de bem estar das populações mais pobres que estão sendo beneficiadas diretamente pelos programas sociais do tipo Fome Zero e Bolsa Família. De outro lado, não se imagine que é possível fazer o desenvolvimento à custa da transferência da renda rural para o setor urbano.
A agricultura tem compensado em parte a redução da área plantada nessas duas últimas safras de grãos, conseguindo manter um bom nível de produção, graças a aumentos importantes de produtividade. Hoje , no entanto, enfrenta o duplo efeito da queda da renda e da desvalorização patrimonial. O que o governo demora a entender é que se houver redução da produção agrícola , não só se perderá todo o esforço de estabilidade dos últimos anos mas também a esperança de desenvolvimento para os próximos anos . É bastante simples de mostrar isso : no momento em que se reduz a oferta de alimentos os preços voltam a crescer e ninguém se iluda porque eles crescem a uma velocidade maior e de forma mais acentuada do que acontece nos momentos de baixa de preços.
Se , com a simples suposição de uma ameaça de inflação o Banco Central já recomeça a engordar a SELIC , o que ele fará diante do fenômeno de uma elevação generalizada de preços dos alimentos ? Vai subir os juros , certamente , e com isso bloquear qualquer veleidade de crescimento da economia . Este é um cenário real que o governo ainda tem tempo de evitar . Basta que convoque a Brasília as lideranças do agronegócio das áreas mais atingidas que respondem pelo grosso da produção de grãos e traga para a conversa o pessoal da área de crédito rural dos bancos oficiais e os técnicos do Ministério da Agricultura para discutir aquelas dificuldades e buscar soluções . O custo de agilizá-las é sempre inferior ao custo de ignorar o problema.