João Baptista Galhardo
Diz Houaiss, é o ato lesivo, praticado em nome próprio ou alheio, por alguém que foi real ou presumidamente ofendido ou lesado, em represália contra aquele que é ou seria o causador desse dano. É a desforra.
Há muito tempo como assíduo frequentador de quermesses de bairros, principalmente a do Carmo, ouvia pelo alto-falante alguém oferecer para alguém, como prova de muito ódio a música "Vingança" de Lupicínio Rodrigues na voz de Dalva de Oliveira. "Eu gostei tanto, tanto quando me contaram/que lhe encontraram chorando e bebendo na mesa de um bar/ Que quando os amigos do peito por mim perguntaram, um soluço cortou sua voz, não lhe deixou falar/ Ah, mas eu gostei tanto, tanto quando me contaram, que tive mesmo que fazer esforço/ Para ninguém notar/ Remorso talvez seja a causa do seu desespero/ Você deve estar bem consciente do que praticou/ Me fazer passar essa vergonha com um companheiro/ E vergonha é a herança maior que meu pai me deixou/ Mas enquanto houver força em meu peito, eu não quero mais nada/ Só vingança, vingança, vingança aos santos clamar/ Você há de rolar como as pedras que rolam na estrada/ Sem ter nunca um cantinho seu/ Pra poder descansar".
No Jardim Público da cidade, um velhinho se encontrou com um conhecido que não via há mais de cinquenta anos…
…mas lembrou-se dele ter se engraçado com sua esposa quando moça. Não teve dúvida apunhalou e matou aquele que teria sido seu rival na mocidade. Por vingança, com certeza. Foi a júri na Comarca.
Já disse que perdão absoluto e incondicional não existe. Só muito excepcionalmente. Mas a vingança é um desejo covarde e neurótico. Iguala o vingador ao inimigo. É o olho por olho. Dente por dente.
Delete-se o inimigo e o esqueça. Vingar não.
Por absurdo que pareça, a vingança já foi "um direito". E ainda é em determinadas regiões do planeta.
A famosa Talião é antiga. Essa Lei prevista nas XII Tábuas: "Si membrum rupsit, ni cum eo pacit, tálio est" (mutilado um membro, se não houver transação (acordo), imponha-se ao autor a pena de talião).
Foi, por muitos anos, aplicada em cidades latinas ao tempo de Catão.
A vindicta privata consistia no direito do ofendido, sem intervenção de juízes, impor ao ofensor a mesma consequência da ofensa sofrida.
Talião foi expressão mais poderosa e mais característica do direito de vingança.
A vingança, às vezes até mesmo de ofensas não praticadas, mas simplesmente imaginadas por suposto ofendido, tem sido exercida de muitas formas: assassinatos, calúnias, injúrias, difamação, traições, roubos, disfarces, formas explícitas, à sorrelfa ou por encomenda. Muitos não sabendo até mesmo por que agredidos por vingadores psicopatas.
Há pessoas que ruminam a vontade escondida de se vingar e aguarda o momento adequado. E alguns até com muita sutileza.
Conta-se que Salim e Faruk eram amigos de longa data. Os casais jogavam baralho periodicamente.
Salim notava que Faruk cobiçava Sara, sua mulher.
Num determinado dia Salim, com extrema delicadeza e finura, procurou Faruk e lhe disse:
– Eu sempre percebi que você é tarado por Sara minha mulher. É verdade?
– Não Salim. Eu sempre respeitei sua mulher.
– Mentira Faruk. Eu também sei que ela se casou comigo, mas sempre quis ir para a cama com você. Estive pensando sobre isso e se quiser eu deixo você manter relação com minha esposa. Pode ir lá em casa. A luz está apagada. Ela está nua na cama te esperando. Não vai recusar nem lhe dizer uma palavra. Mas eu quero que você me pague três mil reais para realizar o seu sonho. Ficarei aguardando do lado de fora da casa.
Os olhos do Faruk brilharam de felicidade. Pagou a quantia ao Salim e foi rapidamente para o quarto de casal do amigo.
Na volta Salim perguntou: "o que achou da Sara, Faruk".
– Sua mulher é muito gostosa, porém um tanto fria.
– Também…pudera Faruk. Ela morreu faz mais de cinco horas…
Com seu dinheiro vou pagar o velório. E ainda haverá sobra para o baralho.
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