A âncora, de novo…

Antonio Delfim Netto (*)

Dólar a 2,70 reais é um dólar fabricado pela maior taxa de juros do mundo. Espero que no governo Lula não se repita a tragédia anunciada da sobrevalorização cambial que produziu a partir de 1994 a dependência externa que paralisou o crescimento e desempregou alguns milhões de pais de família. Seis meses após o início do Plano Real, quando já ficava evidente o exagero da utilização da “âncora” cambial, a revista da FIESP/CIESP reproduziu entrevista concedida dia 5 de janeiro de 1995 em que eu apenas dizia que “o Brasil vai pagar muito caro por esta política cambial”. Foi uma tentativa de chamar a atenção para a necessidade de debater os problemas do crescimento econômico e o papel das exportações no desenvolvimento do país. Governo em mídia, empolgados com o sucesso do programa de estabilização ignoraram a sugestão. Mais do que isso, procurou-se descaracterizar o alerta com a repetição ad nausean da insidiosa suspeita que se tratava da defesa “de interesses menores de setores industriais e do agronegócio acostumados a viver a custa de subsídios e benesses oficiais”. O debate se manteve interditado até que três anos e meio depois, em 1998, o governo se ajoelhou no altar do FMI e no confessionário do tesouro americano, conseguindo um empréstimo-bóia para escapar do default que se armava e chegar à reeleição presidencial.

Tínhamos acumulado 180 bilhões de dólares de déficits em conta-corrente que só começaram a ser revertidos em 2003, já no primeiro ano do governo Lula graças ao enorme esforço exportador cujo impulso inicial foi a desvalorização cambial pós-reeleição, de janeiro de 1999. Foi a partir de então, com o dólar ao nível de 3,00/ 3,05 reais que começamos a reduzir o constrangimento externo, obtendo saldos em conta-corrente o que significa que estamos aliviando o peso da dívida.

O problema é que todo este progresso está seriamente ameaçado porque o governo está permitindo que a autoridade monetária volte a se utilizar do câmbio valorizado para segurar a inflação. Repete-se um erro crasso, com grandes probabilidades de obter o mesmo resultado de queda no ritmo de crescimento econômico e elevação dos níveis de desemprego.

Ninguém sabe qual é o “câmbio de equilíbrio”, mas não há dúvida que a 2,70 ele é inadequado: representa uma valorização de 13% em relação ao nível anterior de 3,05 que revigorou o comércio exterior brasileiro. Essa sobrevalorização já afeta o nível de investimentos que se dirigia ao setor exportador. Não é inteligente utilizar o câmbio como instrumento coadjuvante do combate à inflação, sacrificando exportações e crescimento, porque dá um pequeno resultado agora mas os preços continuam onde estavam e até subiram um pouquinho. Mais na frente, quando essa situação inadequada for corrigida, a inflação voltará com toda a força, cobrando juros e correção monetária. Menos inteligente ainda é se esconder atrás da relação real/dólar, porque o que é preciso é observar o peso da moeda chinesa (yuan) ou coreana (won) em relação à divisa norte americana para medir o patamar adequado de câmbio: ele deve ser comparado com o nível estabelecido pelos nossos concorrentes que vendem muito para os Estados Unidos, como é o caso dos asiáticos.

(*) E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br

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