Rosa Godoy (*)
Parece incrível, mas mal ela chegava, as coisas começavam a melhorar. As crianças paravam de brigar, a empregada suspendia as reclamações, os mal humorados voltavam a sorrir e a conversar. A solidão fugia num piscar de olhos. Se na aparência nada tinha de especial, no íntimo, aquela mulher guardava a força férrea dos combatentes, talhada nos sulcos da vida, amalgamada pela experiência da dor e da alegria, a resfolegar par e passo no cotidiano. Ainda guardo vivo na lembrança o toque das mãos quentes e macias, o colo acolhedor onde sempre me senti criança, ao encontrar o carinho de antanho. De outra parte, sinto-me cada vez mais mulher quando recordo seu olhar altivo e a voz firme a indicar-me o caminho do crescimento, da maturidade.
Na juventude, ela ousou investir todas as forças para sobreviver, mesmo sem saber que isso lhe garantiria experiência para suportar a doença maldita lhe comendo as entranhas no final da vida. Conviveu com ela o quanto pode, antes de entregar-se ao que lhe estava destinado. Lutou o quanto conseguiu para esconder os sinais que alarmavam a família, pelo conhecimento do quanto seria doloroso viver sem a sua companhia.
Falar que foi, durante toda a vida, uma verdadeira referência para tantos, seria pouco para definir a dedicação e o esmero com que recebia parentes e chegados, distantes ou conquistados. Era a mãe de todos, possuidora daquele algo mais que caracteriza as pessoas especiais que largam tudo para dar colo aos eternos forasteiros, sedentos menos de teto que de acolhida. Nunca reclamou sequer da falta de cuidado dos que atropelavam seus raros momentos de sossego, solicitando ajuda para pequenos ou grandes problemas. Ver de verdade, ouvir e receber fazia parte do seu cotidiano. Não conseguia viver sem a barulheira das crianças, do falatório dos adultos, sem a casa cheia de gente.
Fazia questão de estar presente de corpo e alma em todas as situações, das simples às inusitadas. Não perdia um encontro familiar ou de amigos, de batizado a enterro, embriagando-se das pessoas, fartando-se da deferência que imantava. Não raras vezes extasiou-me a atenção que lhe dispensavam, mesmo os que acabavam de conhecê-la, sucumbidos ao seu encanto, do porteiro ao reitor, do padeiro à florista. Modesta, nunca aceitou isso como verdade. “Pronto, ganhou mais um fã”. “Imagine, é tudo invenção sua, já está exagerando de novo”.
Foi-se, levando um pedacinho de cada um que cruzou seu caminho, deixando muito de si. Fica no ar uma imensa saudade, ao mesmo tempo em que sinto sua presença em cada canto da casa, em cada viagem, música, filme ou livro, em cada momento, bom ou ruim. Sei que, embora de um jeito diferente, continuamos a viver tudo isso juntas, como nos velhos tempos. Quando falo ou penso nela, até a gata mia com mais chamego, embora não a tenha conhecido. Pena!
(*) Enfermeira e colaboradora do JA.
PS: Dedico este texto à minha mãe, no primeiro Dia das Mães que passo sem ela, embora em sua eterna companhia.