Antonio Delfim Netto (*)
É curioso como parcela importante de “intelectuais” tem uma enorme dificuldade em aceitar a idéia que o povo pode estar bem informado a respeito dos fatos de natureza econômica e tirar conclusões como as que foram reveladas em recente pesquisa comparando os governos Lula e FHC. Em São Paulo, membros preeminentes do que se julga ser a “inteligência” acadêmica mostram-se absolutamente revoltados com as respostas dos cidadãos a uma consulta popular que perguntava se na opinião deles a economia do país tinha melhorado, ficado igual ou piorado. Divulguei essas respostas num artigo recente e repito aqui os resultados: 78 % dos consultados acham que “melhorou” ou “ficou igual” e apenas 20% responderam que “piorou”, sobrando 2% apenas que não souberam ou não opinaram.
Há um bom tempo venho desconfiando que um número bastante razoável de nossos intelectuais lê pouco e, quando lê, lê mal. Pelas manifestações de inconformismo em relação ao que pensam aqueles que eles classificam sociologicamente como a “massa dos não informados”, creio que eles, propriamente, são a própria massa. A verdade é que jamais puderam acreditar que os brasileiros comuns pudessem ter apreendido, mesmo sem ler, a lição que David Ricardo passava, há quase duzentos anos, ao bom e simplório “common people”, a propósito do endividamento do governo. “A dívida pública de hoje” – prevenia o brilhante intelectual e economista inglês- “é o imposto de amanhã”. Ele alertava seu povo para que não deixasse de protestar quando o governo estava fazendo a dívida, porque fatalmente o imposto seria cobrado lá adiante, quando já era tarde para reclamar.
Embora a realidade tivesse ficado escondida durante os longos oito anos de governança tucana, a “massa dos não informados” foi tomando consciência, aos poucos, das tenebrosas manobras que envolveram as privatizações. O que se acreditava é que ao vender parte do patrimônio nacional (que foi construído com a poupança dos brasileiros), o governo usaria os recursos para pagar a dívida pública que ele mesmo vinha inflando, se não no todo, pelo menos em uma boa parte. O que se viu, depois que o debate foi desinterditado, é que o patrimônio foi entregue a novos donos, nacionais ou estrangeiros, com financiamento de bancos oficiais e dos fundos de pensão obedientes ao comando do governo. É um caso único na história econômica envolvendo governos: o que era propriedade do Estado brasileiro (não dos governos) e, portanto, do cidadão, mudou de mãos, algumas vindas do exterior, que se financiaram com recursos do próprio Estado, sem que seus verdadeiros donos fossem brindados com uma única Ação …
Mais extraordinário ainda é que os recursos não tiveram o destino que se esperava, a amortização da dívida do Estado. O patrimônio foi vendido e a dívida aumentou, o que é um caso típico de “fraude aos credores”. O credor fraudado é o contribuinte brasileiro, que hoje ainda tem que pagar os impostos (que o próprio FHC aumentou de 26% para 37% do PIB), conseqüência inevitável da dívida, como Ricardo previu há dois séculos e o cidadão comum percebeu com toda a clareza.
(*) E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br