João Baptista Galhardo
Há mais de trinta anos, colaborava com o Juízo de Menores, hoje da Infância e Juventude, chefiando o Comissariado da Comarca. Um dia, à noite, dez horas mais ou menos, recebo uma ligação. Voz feminina. Queria falar comigo. Era urgente. Estava na iminência de por fim à vida. Perguntei de onde falava. “Da Praça Pedro de Toledo”. Pedi que fosse até à Delegacia de Polícia que ficava na esquina da rua Itália, com a Duque de Caxias. E me aguardasse na sala do Delegado de Plantão. Na Delegacia encontrei uma menina de quinze anos de idade mais ou menos, ainda com o uniforme do colégio. Queria autorização para não voltar para casa, pois seu pai, todos os dias, praticava com ela atos libidinosos, (sem seu consentimento), enquanto ela dormia ou fingia dormir. Perguntei se o quarto não tinha porta e ela disse “ele arrancou”. Procurei seus familiares e pedi que um seu tio fosse até o local e a levasse para dormir na casa dele. Que era a casa da avó também. Improvisei uma intimação para que ela e a mãe comparecessem ao Fórum. No dia seguinte no gabinete do Juiz e na presença da mãe, ela repetiu a história. O Juiz perguntou para a mãe se ela sabia desse comportamento do marido. Respondeu que sim. E o Juiz pediu que ela confirmasse tudo por escrito, a fim de por o safado na cadeia. Na cadeia Doutor ? Disse a mãe. Eu tenho mais cinco filhos. O Senhor vai sustentar a minha casa ? Eu não assino nada, e se o senhor abrir processo eu digo que tudo é mentira. Conseguimos, no máximo que a menina fosse morar com parentes em outra cidade, onde se casou.
Lembrei do caso porque recentemente li no jornal o falecimento do pai sem-vergonha, com aquela nota hipócrita: “a família com pesar e saudade comunica…” Fala sério. Nessa época, o número de mulheres que trabalhavam era pequeno. Muita mulher não largava do marido, por não ter para onde ir. A mulher comandava apenas o seu departamento FFPT (forno, fogão, pia e tanque). O marido chegava em casa, metia os pés nas chinelas, e ainda palitando o salaminho que comeu no boteco, com cerveja ou cachaça, se acomodava, perguntando para a mulher cansada, olheirada e de bobs no cabelo: “benhê… o que você fez de bom pra comer”?. “Benhê” você passou aquelas camisas que eu te pedi ? “Benhê você pregou aquele botão?
Com o tempo a mulher gritou shazan e virou a Mary Marvel, irmã do Capitão Marvel, imbatíveis heróis do gibi. E voando para todos os lados, foi à luta e tomou o emprego dos homens com igual ou maior capacidade, tornando-se independente financeiramente ou pelo menos arrimo da família em pé de igualdade. Aliás, o avanço da tecnologia e o enfrentamento pelas mulheres, são as principais causas da estatística negativa de empregos, porque antigamente, não se contava a mulher como desempregada. E mesmo com múltipla função, a mulher não quer voltar para casa. Prefere administrar o lar e continuar trabalhando para ter a faculdade de botar o marido para fora. Hoje a mulher já não agüenta com a mesma paciência de antigamente, o marido galã de parque de diversões e “pé de cana”. Aquele que atinge a amnésia alcoólica, e pratica todos os tipos de violência. Como aquele marido que chegou de madrugada ao seu condomínio e interfonou ao primeiro andar: atendeu uma mulher – “a senhora é casada? – Sou. O seu marido está ? – Sim ? Desligou.
Ligou para o segundo andar, a mesma pergunta e a mesma resposta. Assim que ligou para o nono andar e já xingado pela moradora dos oito anteriores, fez a mesma pergunta e a mulher respondeu: Sou sim. – O seu marido está? -Não. Já é madrugada e aquele vagabundo ainda não chegou. – Por favor, disse o esponja, dá para a senhora descer e ver se me reconhece.
Hoje, os maridos correm sério risco, ao contrário daquele pai tarado, recentemente falecido. Chegar em casa, não conseguir abrir a porta e pedir para a esposa : “querida, mãe, neguinha… abra a porta. Acho que minha chave quebrou. E ouvir do outro lado. “Benhê…, a chave não quebrou não. Eu troquei a fechadura. Vá dormir nos quinto dos infernos.”