Temos ouvido e lido que há uma crise no setor sucroalcooleiro gerando a falta de álcool. Há quem diz que estamos diante de um "apagão do etanol". Ai não falta os que atribuem isso aos usineiros, que preferem fazer mais açúcar a álcool, em razão do preço. O problema merece uma análise serena e imparcial e é isso que pretendo fazer nesse artigo.
Comecemos pelo lado da demanda do álcool.
Pouco se fala, mas no ano de 2010 foram produzidos quase 3 milhões de automóveis flex no Brasil. Considerando que esses automóveis só abasteçam com álcool e que rodem em média 1.500 quilômetros por mês, algo em torno de 18.000 km por ano, fazendo uma média de 9 quilômetros com um litro de álcool, temos que são necessários 1 milhão de hectares de terras, ou 1 milhão de campos de futebol para produzir a cana necessária para fazer o álcool, para essa nova frota que acabou de chegar. Isso porque um hectare de terra produz 80 toneladas de cana e cada tonelada de cana produz 80 litros de álcool, em média, e que são necessárias áreas de reforma. Para não esquecer: a cada 3 novos automóveis, que usem álcool como combustível, é necessário cultivar um hectare de terra, ou 1 campo de futebol de 10.000 m², a mais, para produzir a cana que vai gerar esse combustível!
As seis usinas da região de Araraquara cultivam aproximadamente 250.000 hectares com cana-de-açúcar. Então só para abastecer a nova frota de 3 milhões de automóveis, temos de ter 4 vezes novas áreas como a da nossa macro região. Isso não vem acontecendo nos últimos dois anos. E mais. O aumento da produção de cana não dá mais para ser feito no Estado de São Paulo, uma vez que não há mais terras disponíveis para cana no Estado. A solução é produzir a cana cada vez mais distante dos grandes centros consumidores, o que demanda uma logística sofisticada para fazer a distribuição.
As previsões indicam que, no ritmo de crescimento da demanda, precisaremos dobrar a produção atual, até o ano de 2020, para atender esse mercado. É uma tarefa gigante. Nisso deve entrar o governo planejando e incentivando a produção. Tudo para que o consumidor brasileiro seja bem abastecido com o álcool. Ele que já disse que prefere o combustível verde e renovável.
Mas você pode estar pensando: é, mas os usineiros preferem fazer mais açúcar a álcool, em função do preço.
Vamos esclarecer isso.
No início de 2010 o Brasil tinha 426 usinas de açúcar de álcool. Dessas, 161 fazem só álcool, 16 só fazem açúcar e 249 fazem açúcar e álcool. Então apenas 58% das usinas podem optar entre fazer mais açúcar e menos álcool, e vice-versa. Ocorre que uma usina de açúcar e álcool é dimensionada para fazer um tanto de açúcar e um tanto de álcool. Essa capacidade de produção é quase estática, sendo na média brasileira, metade açúcar metade álcool. O máximo que dá para manipular é 10 % da moagem, ou seja, produzir 60 % de açúcar e 40 % de álcool, ou 40 % de açúcar e 60 % de álcool. Então, o que essas 249 usinas podem fazer é deixar de produzir 3 bilhões de litros de álcool de um total de 29 bilhões de litros, se quiserem priorizar a produção de açúcar.
Outro fator pouco lembrado, e que está refletindo agora, foi a crise de 2008. Até a crise do 2008 o setor crescia a um ritmo de 10 % ao ano. Depois da crise o ritmo caiu para apenas 3%. Essa diminuição no ritmo de crescimento do setor implicou numa redução da oferta de cana que daria para produzir 11 bilhões de litros a mais, como explica o presidente da ÚNICA (União da Indústria da Cana-de-Açúcar), Marcos S. Jank.
Se tudo isso não bastasse o setor ainda está sujeito à influência do clima, que afetou bastante a produtividade em 2010. Para fazer álcool é preciso ter cana e para ter um canavial produzindo bem, o clima é fundamental. Os cálculos da ÚNICA indicam que a produção de álcool poderia ser de 5 bilhões de litros a mais, em 2010, se o clima tivesse sido favorável.
Resumindo temos o seguinte: o aumento da frota demandou 6 bilhões de litros de álcool. A redução nos investimentos, em função da crise de 2008, fez com que o setor deixasse de produzir 11 bilhões de litros. A queda na produção em razão do clima reduziu a oferta em 5 bilhões de litros. A decisão de se fazer mais açúcar do que álcool reduziu a produção em 3 bilhões de litros. Feitas as contas podemos dizer que a decisão dos usineiros em fazer mais açúcar e menos álcool foi responsável por 12% do problema. Os outros 88% foram pelas demais causas. Isso tudo sem falar que, ao contrário de outras épocas, onde tivemos problema, a mistura do álcool à gasolina manteve-se nos níveis dos 25%, isso porque a oferta de gasolina também está aquém da demanda.
Para pensar.
(João Pereira Pinto Assessor de comunicação da Usina Santa Cruz)