Natália Soriani (*)
O home care é um serviço de assistência médica que oferece uma série tratamentos e cuidados no domicílio do paciente, abrangendo desde visitas de enfermagem, até tratamentos mais complexos que envolvem equipe multidisciplinar e uso de equipamentos especializados. No contexto dos planos de saúde, o home care tem se tornado um tema cada vez mais discutido, à medida que cresce a demanda por esse tipo de serviço e a judicialização em torno da sua cobertura.
Recente levantamento revelou que em São Paulo ocorreu um aumento de 64% nas ações judiciais relacionadas a esse tipo de tratamento, sinalizando um cenário de incerteza e conflito entre consumidores e operadoras de planos de saúde.
O principal ponto de discussão gira em torno da Lei 14.454, sancionada em setembro de 2022, que modificou significativamente o entendimento sobre o rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Antes dessa legislação, as operadoras de saúde eram obrigadas a cobrir apenas os procedimentos incluídos na lista da ANS. Contudo, com a nova lei, o rol passou a ser considerado exemplificativo, permitindo que tratamentos prescritos por médicos, mesmo que não estejam no rol, sejam reivindicados judicialmente pelos pacientes. Essa mudança impulsionou o aumento das demandas judiciais, especialmente em relação ao home care.
Dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) mostram que, em 2023, foram registrados 451 processos relacionados ao tratamento domiciliar, um aumento significativo em comparação aos 275 processos protocolados em 2022. Esse crescimento reflete a crescente insatisfação dos consumidores com a recusa das operadoras de saúde em cobrir o home care, mesmo diante de uma prescrição médica que recomenda esse tipo de serviço.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também relatou um aumento no número de ações contra operadoras de planos de saúde em geral, com cerca de 234,1 mil processos em 2023, o equivalente a uma nova ação judicial a cada dois minutos. Esse panorama chamou a atenção do Supremo Tribunal Federal (STF), que está estudando maneiras de lidar com o aumento das disputas judiciais no setor de saúde suplementar.
A ANS, por sua vez, mantém a posição de que a cobertura do home care não é obrigatória, a menos que esteja expressamente prevista no contrato. Contudo, entidades de defesa do consumidor, como o Procon-SP, e o próprio Judiciário têm adotado uma posição contrária, defendendo que o rol da ANS é exemplificativo e que uma prescrição médica deve ser suficiente para garantir o direito ao tratamento domiciliar. Além disso, decisões judiciais anteriores à Lei 14.454, como a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), já haviam estabelecido que a cláusula contratual que proíbe a internação domiciliar é abusiva quando o home care é uma continuidade necessária do tratamento hospitalar.
As operadoras de saúde, no entanto, argumentam que a obrigatoriedade de cobrir tratamentos não previstos em contrato, como o home care, aumenta a insegurança jurídica e coloca em risco a sustentabilidade financeira do sistema.
O debate sobre o home care no Brasil exemplifica um desafio maior enfrentado pelo setor de saúde suplementar: como garantir que os beneficiários tenham acesso aos tratamentos de que necessitam sem comprometer a viabilidade econômica das operadoras de saúde. O aumento expressivo das ações judiciais em São Paulo demonstra que soluções urgentes precisam ser discutidas para harmonizar os interesses de consumidores, operadoras e reguladores.
Portanto, o aumento das ações judiciais por home care em São Paulo sublinha a complexidade do sistema de saúde suplementar no Brasil. Um diálogo contínuo entre todas as partes envolvidas será essencial para encontrar um equilíbrio justo e sustentável, que respeite os direitos dos beneficiários e, ao mesmo tempo, preserve a sustentabilidade do setor de saúde. A judicialização é uma alternativa, mas não será a solução.
(*) Natália Soriani é especialista em Direito da Saúde e sócia do escritório Natália Soriani Advocacia
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