Recordo-me de julgamentos em que participei como Escrivão pelo Tribunal do Júri da Comarca, lembrando-me do absurdo motivo de alguns deles. Do marido que matou com catorze facadas a mulher que costurava as três da tarde, porque lhe recusara sexo em razão da presença de seus filhos menores. Enquanto esfaqueava a indefesa, gritava o assassino "você só pode ter outro homem". Em outro caso, a mulher apanhava do marido todos os dias ao anoitecer, também por ciúme infundado. Um dia ela aguardou o sono dele, cobriu-lhe com um lençol e com o olho do machado arrebentou sua cabeça. "Este não terá mais ciúme nem baterá em mais ninguém". A coberta, disse ela "era para não sujar a parede de sangue".
O ciúme, que os dicionários definem como o estado emocional complexo que envolve um sentimento penoso provocado em relação a uma pessoa de que se pretende o amor exclusivo, tem sido juntamente com a inveja, uma das principais causas de crimes contra a vida e também contra a honra.
A pesquisa forense informa que as pessoas ciumentas sempre olham para tudo com óculos de aumento, os quais engrandecem as pequenas coisas, agigantam insignificâncias e fazem com que as suspeitas pareçam verdades, como observava Cervantes.
Sócrates, afirmando que o ciúme é um sentimento que tem a idade do homem, o chamava de "a dor da alma". Claro que há também ciúme pernicioso entre familiares, muitos com origem na inveja de pessoas felizes, amigos, intelectuais, profissionais e outros tantos, mas é certo que esse sentimento se torna mais perigoso para o companheiro ou companheira, alvo dele quando essa visão irreal se transforma em patologia.
Na psiquiatria colhemos a informação que um homem ao ter ciúme de outro, está na realidade aflorando o seu lado feminino. Pois é ele quem tem admiração pelo enciumado, seu eventual rival. E da mesma forma a mulher em relação à outra de quem tem ciúme. Na verdade tem-lhe admiração. Inveja. Não competição.
William Shakespeare chama essa doença social de "monstro de olhos verdes" e é sobre o ciúme a sua obra do século XVI, Otelo, o Mouro de Veneza. Movido por um ciúme doentio, que o faz desconfiar que sua mulher Desdêmona tenha um caso com o tenente Cássio, e influenciado por Iago, Otelo acaba matando a doce, fiel e generosa esposa. E depois se suicida ao descobrir a verdade.
Muitos Otelos e Desdêmonas encenam ainda hoje, mas, na vida real.
Muitas mulheres não se irritam com homens ciumentos porque não sabem se o ciúme é homenagem ao seu amor ou ofensa à sua virtude.
O ciúme, dizem os psicólogos, faz com que o ciumento veja sombras, fantasmas com voz, com físico, com vida. Mas são visões. Nada mais.
Ciúme é um sentimento que vem embrulhado em medo. É o maior de todos os males e o que menos compaixão desperta nas pessoas que o causam (La Rochefoucauld).
O ciumento, como doente que é, tem ciúme do olhar, do andar, das mãos, do dormir, do sonhar e do pensar da pessoa enciumada.
Dizem que um cidadão casou-se com a moça mais linda de uma cidade. E num crescente sentimento de inferioridade e de falta de amor próprio foi cultivando um ciúme maluco. Certo dia, mordido pelo fantasma da suspeita, resolveu arrancar os olhos de sua amada para que ela jamais olhasse para qualquer homem. Podia ainda falar com outras pessoas. Então cortou- lhe a língua. Para não sorrir extraiu-lhe todos os dentes. Em seguida amputou-lhe os braços para afastar a possibilidade de abraçar estranhos. Não satisfeito e preocupado com a chance de fuga cortou-lhe as duas pernas. E vangloriava-se:
– Ficou feia, mas é minha. Não corro risco de perdê-la.
Certa noite. Chegando a casa depois do trabalho, não a encontrou.
Fora raptada pelo dono do Circo dos Horrores.