João Baptista Galhardo (*)
Andando por uma rua da cidade avistei perto de uma árvore, ali colocada para o caminhão do lixo, uma caixa de sapatos sem tampa, cheia de retratos antigos. Por curiosidade peguei algumas fotografias. Eram de pessoas que conheci na minha infância. Um lar feliz com filhos contentes (um casal), que constituíam a fortuna de seus pais.
Os filhos cresceram. Formaram-se e distanciaram deles.
O pai, um representante comercial, prestou muito serviço a meu pedido quando eu já adulto e sempre que lhe perguntava dos filhos, lágrimas corriam dos seus olhos:
– Casaram. Um está no Rio. Outro em Belo Horizonte. Faz anos que não aparecem. De vez em quando telefonam. Essa ausência sentida está matando minha mulher. Esquecem aniversário dela, Natal e até Ano Novo.
Quantos filhos procedem da mesma maneira, esquecendo-se dos seus antepassados. E no falecimento deles limitam – se a olhar algum retrato antigo. E só.
Os da caixa não tiveram a sensibilidade sequer de guardar os retratos de lembrança, abandonando-os dentro da casa que era de seus pais. Por certo vendida ou negociada até mesmo no velório do último.
Em Buenos Aires, na feira de San Thelmo há barracas que vendem retratos antigos.
Sem nenhum valor para o comprador porque cada um tem uma história peculiar só conhecida por quem os abandonou. E pelos retratados que já se foram. Esquecem os ingratos que seus filhos testemunham o desrespeito pelos antepassados. Colherão o mesmo no futuro.
Quantos filhos perderam a oportunidade de dizer uma palavra de amor e de carinho para uma mãe de cujo ventre saíram. E que de repente, sem despedir, foi embora.
Numa família que se amam, uma polenta à bolonhesa ou à carbonara é motivo de reunião e festa onde sobejam palavras amorosas e de alegria.
A vida é uma teia de fios de esperança, de amor, de compreensão, respeito, de dor, de contentamento, de tristeza, que exige uma convivência de ternura para valer a pena de viver.
A caixa de retratos jogada no lixo lembrou-me a história de uma esposa de vinte anos de casada.
Percebendo que o marido só se importava com o trabalho e sua casa, disse-lhe:
– Amanhã você vai colocar o seu melhor terno, para sair com uma mulher que te adora.
– Você está louca… Eu gosto de você. Não tenho outra mulher na minha vida.
– Tem sim. E ela te ama muito.
A vida é muito curta e você deve dedicar um tempo especial para ela.
– Mas quem é essa segunda mulher?
– É a sua mãe. (Quem ele visitava ocasionalmente).
– Leve-a para jantar num bom restaurante e depois vá ao cinema, sem hora para retornar.
Feito o convite, a mãe aceitou. Foi à cabeleireira. Contou para conhecidas e desconhecidas que iria jantar com o filho.
Com seu melhor vestido agarrou no braço dele como uma primeira dama.
No Restaurante disse que era ela quem lia o cardápio para ele quando criança.
Com brilho nos olhos, falaram e se olharam tanto que se esqueceram do cinema. Disseram várias vezes "EU TE AMO". Despediram-se, com ela dizendo: "Da próxima vez quem paga sou eu."
Não houve novo encontro. Morreu de infarto fulminante.
Algum tempo depois o filho recebeu do Restaurante um envelope com um cartão, tendo ele como destinatário:
"O jantar que teríamos deixei pago antecipadamente. Estava quase certa de que eu poderia não estar ali com você e, por isso, paguei e quero que você vá com sua esposa. Jamais poderá entender o que aquela noite significou para mim. Seja sempre assim. Também te adoro."
Daí a importância de dizer hoje "EU TE AMO" e de dar aos entes queridos o espaço e a atenção que merecem.
Amanhã poderá ser tarde demais…